Reflexões Planetárias

Sunday, July 27, 2008

Regresso à utopia

Estamos hoje a jogar em dois grandes tabuleiros, dois jogos cruzados:
-o jogo entre a nossa afirmação humana e a nossa integração na natureza;
-o jogo entre a nossa afirmação individual e a nossa integração social.

Poderá objectar-se que esse jogo duplo não é de hoje, nem sequer exclusivo da espécie humana. Será. Mas não toma ele o seu dramatismo essencial com individualização da consciência a partir da Grécia e depois de Cristo?
Não acentuou ele polaridades, clivagens, entre a cultura e a natureza, bem como entre o nosso ser individual e a nossa vida em comum e em cada uma dessas esferas da nossa vida?

Tenho para mim que a ideia do paraiso é a de uma utópica harmonia primordial que se perdeu com a consciencialização e a individualização. Adão e Eva debaixo da Árvore da Sabedoria.
Mas também tenho para mim que acreditar na utopia, é essencial na fase de consciencialização em que vivemos e responde à ânsia, ao desejo ou à necessidade de construir essa harmonia ou integração neste mundo distópico.

A descrença nas utopias, na divina e depois na humanista que prevaleceu e descambou em distopia, desorientou-nos. Agitamo-nos na abertura do presente, em que não distinguimos a fronteira entre a liberdade e o caos. A inseguranca do presente e a incerteza quanto ao futuro tornam-nos presa fácil, não apenas do consumismo e de seus corifeus, mas sobretudo de projectos securitários e de soluções salvíficas ou tecnocráticas...

Tempos interessantes os de hoje, exclama o autor da Idade dos Extremos.
Apenas interessantes?
"Hard times" eram os de Charles Dickens. Parece que são também os de hoje. Os gloriosos anos dourados da Guerra Fria teriam sido apenas uma pausa a Ocidente, como parece que será transitória a bolha do petróleo!

Teremos que voltar a acreditar na utopia!

Mesmo admitindo que estamos no pico duma sociedade de consumo que está em frontal contradição com preocupações ecológicas e sociais, isso não implica que nos demitamos de defender uma agenda social e ambiental, convictos de que vivemos numa sociedade aberta e de que, sem elas, a vida é para nós insustentável.

Saturday, July 12, 2008

Henry Moore


Entendia Brancusi que "a simplicidade não é o fim implícito da arte, mas caminhamos para ela quando nos aproximamos da essência íntima das coisas". Maneira moderna de sentir, entender o mundo que Henry Moore levou bem longe!

A linguagem abstrata de Moore - linhas, volumes, espaços, superfícies envolventes - permite-lhe integrar sugestões múltiplas reforçando uma ideia essencial em formas de elegante simplicidade.

A pequena bola que, num jogo de alavancas, deslizou pelo plano inclinado até ao chão, sob a acção da gravidade, pode ser a semente que germina no vale; ou o pequeno mundo que nasce; ou a criança que brinca sob o olhar atento dos pais, envolvida no seu terno abraço, em sucessivas interpenetrações das tensas silhuetas espaciais, para quem se move à sua volta como a terra em volta do sol.


Neste jogo das formas, a ideia essencial que mais me toca nas obras de Henry Moore é a ideia, profundamente ecológica, plasmada no jogo de espelhos entre a Natureza da Maternidade e a Maternidade da Natureza.
De novo, a criança-semente que se aconchega no seio-vale da mãe-paisagem.


... E ainda mais me toca, quanto a horizontalidade ondulante das suas formas se encaixa na frondosa ondulação horizontal da paisagem que Moore bem conhecia!


É por esta ligacao essencial e não simplesmente pela escala que as obras de Moore pedem ar livre, o que pode ter experimentado quem passou o ano passado por Kew.
Duas "grandes" obras de arte , uma dentro da outra: Obras de Henry Moore nos "Kew Gardens".


A arte de um Rodin, nos Burgueses de Calais, na figura protuberante de Balzac ou no corpo esquálido de um velho, quasi nos leva a acreditar que a linguagem da vida só pode ser figurativa. Mas a arte de um Henry Moore diz-nos que também a abstração pode caminhar no sentido da vida e não, necessariamente, no sentido contrário em que progrediu o ramo mecanicista da ciência e da modernidade.
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Fonte das imagens: Fotografias do autor deste blog