Reflexões Planetárias

Tuesday, July 26, 2011

Toca a andar!

Em "Portugal na hora da verdade", um verdadeiro programa de "neoliberalização" publicado com flagrante oportunidade, Victor Santos Pereira(*) não podia deixar de falar de casas, a propósito da maior parcela do endividamento das famílias em Portugal que é hoje o endividamento para a compra de casa própria:
"Para um país, uma grande percentagem de proprietários representa certamente benefícios, mas tem também alguns custos. Por exemplo, há vários estudos que apontam que a mobilidade laboral é menor e o desemprego maior em países (ou regiões) que possuem uma percentagem elevada de proprietários de casa própria.
Porquê? Porque, quando se arrenda uma casa, é relativamente fácil dizer ao senhorio que gostariamos de terminar o contrato de aluguer, pois temos que nos mudar para outra cidade ou até país.
Pelo contrário, quando se é proprietário de uma habitação aceitar um emprego noutra cidade ou país pode ser mais difícil, pois temos que vender o imóvel em questão ou arranjar alguém interessado em alugá-lo antes de darmos uma resposta definitiva à oferta de emprego. Assim, quando as pessoas têm casa própria torna-se mais difícil mudar de cidade ou de região em busca de emprego. E quantos mais donos de casas existirem, mais forte e esse efeito. Por isso o mercado de trabalho torna-se menos dinâmico e há menos criação de emprego...
A elevada percentagem de proprietários em Portugal pode ser boa para as familias em questão... mas poderá não ser tão boa para a economia nacional, visto que há menor mobilidade laboral e, assim, menor criação de emprego".

Para os fundamentalistas do "mercado-livre", made in USA" (o "free-market"), as casas são oportunidade de negócio. Bens negociáveis, seja no negócio imobiliário da compra e venda de propriedades, seja no negócio do arrendamento dos prédios de rendimento.
Como as casas e tudo o mais, também o trabalho se compra e vende. Ao mês, à semana, ao dia, à hora.
Para eles, o ideal é juntar "flexibilidade" do mercado das casas à "flexibilidade" de uma mão-de-obra barata e disponível quando e onde seja necessária ao empregador que, por seu turno se localiza, ou deslocaliza, conforme as conveniências do seu negócio.
Portanto "a bem da economia e do emprego!" e quanto ás casas, o melhor é o mercado menos "rígido" do arrendamento!
Uma tese que, estou convicto, vai ser agarrada pelos mandantes neoliberais da "União Europeia" que, sem qualquer projecto político mobilizador, nos tratam como Pavlov tratava os seus caezinhos. Não ficarei nada admirado se amanhã vir a cenoura dos incentivos para comprar casa, convertida no pau dos desincentivos para combater o inconveniente atavismo dos "recursos humanos" que não das máquinas, para se enraizarem nos sítios, atavismos esses que os estudos associam à posse da casa!
Não pretendo defender a propriedade privada que aliás não questiono, mas sim denunciar o simplismo de um mecanicismo linear que nos põe a andar a reboque dos grandes interesses que lideram hoje a economia mercantil, descurando a consequente fragmentação psicologica e social, na impossibilidade de entretecermos estáveis laços de vizinhanca uns com os outros e com os sitios, dolorosamente patente na alienação da legião dos mais fracos que cresce com o envelhecimento da população e o "darwinismo social".
Esses eurocratas do mercado só entram com uma população na força da vida e com a capacidade técnica de resolver o problema dos velhos e doentes... se não forem fundamentalistas, pois que estes os entregam a punição dos perdedores. Foi assim que Malthus entendeu entregar os irlandeses à fome e à morte seguindo a lei natural da sobrevivência... dos mais fortes.
Esta perspectiva dos fundamentalistas do "mercado-livre" sobre as casas pode ser cruel, mas não é abstrusa no contexto do nomadismo estrutural da sociedade capitalista cosmopolita que se contrapõe de forma brutal ao sedentarismo estrutural da sociedade tradicional assente na cultura do agros.
Podemos ter fundadas convicções para defendermos o mundo rural, o fundo de fertilidade, a estrutura ecológica da paisagem, mas será puro angelismo acreditar que poderemos esperar dos mandantes vontade política para ultrapassar o slogan da sustentabilidade adjectiva.
Enquanto prevalecer esmagadoramente a tendência do animal migrante agente-de-mudança, em que cabe a "sacralização" da competitividade na internacionalização da economia, será subalternizada a tendência "vegetativa" para nos enraizarmos nos sítios. Foi esta tendência "vegetativa" que garantiu a conservação ancestral do "fundo de fertilidade" e a diversidade da Europa, de que tanto carecemos hoje, com a acelerada globalizaçâo e o crescimento da população no resto do mundo que acentuam a conflitualidade social e se confrontam com a "capacidade de carga" do planeta.
____________________________________________________
(*) Victor Santos Pereira é o nosso actual Ministro da Economia.

Sunday, July 24, 2011

Como é possível!?

22 de Julho de 2011.
Comodamente instalado no meu posto de observação, olho as notícias e sou surpreendido com esta imagem de um rasto de devastação numa rua de Oslo:


Não foi obra da natureza mas de mão humana que ali fez explodir uma carga de nitrato de amónio misturado com fuelóleo!
Como é possível!? Num país tido como exemplo de uma vida simples, democrática, em que os governantes andam nos transportes públicos e vão ás compras como qualquer outro cidadão!
As notícias vão chegando e a surpresa vai-se desvanecendo, á medida que começam a ser conhecidos os ingredientes de uma outra mistura explosiva muito mais preocupante.
Um governo trabalhista que leva a peito a tolerância, a democracia, os direitos humanos, ousando avançar para um embargo unilateral contra Israel e prometer defender o reconhecimento do Estado da Palestina nas Nações Unidas até ao fim deste ano!
Um movimento Nazi que vem da "era Quizling" em que o "traidor" Vidkun Quisling plantou a árvore do nazismo na Noruega; que prosseguiu com os "skinheads", os "bootboys" que há cerca de oito anos andavam pelas ruas da cidade à procura de tudo o que lhe parecesse imigrantes; que chegou aos nossos dias, disseminado em diversas seitas nazis, com um rasto de cerca de 2000 incidentes violentos de racismo desde os anos oitenta, segundo o "Centro contra o Racismo" de Oslo. O racismo islamofobo de Anders Behring Breivik (que, note-se, troca pelo Islão o inimigo de estimação dos nazis e até alinha com a direita pró-israelita!), encontra eco na retórica do designado "Partido do Progresso", na "história" do "Choque das Civilizações" e em discursos contra o multiculturalismo dos lideres conservadores das três principais potências da que se designa hoje por "Fortaleza Europa". Preocupante!
O caso Breivik, bem como o de Jean Charles Menezes em 2005 ou a Invasão "neocon" do Iraque em 2003, mostram-nos que a difusão de uma maneira errada de pensar que não é de hoje, no seio da nossa "sociedade tecnológica", requer uma denodada determinação na defesa dos ideais que aqui vemos protagonizados na Noruega!

Friday, July 15, 2011

Desvio...colossal!

O Ministro da Finanças Victor Gaspar afivela aquele ar discreto e sério de especialista competente que tem merecido elogios dos seus pares, devidamente ampliados na caixa de ressonância da comunicação social.
Por isso me surprendeu a sua recente sessão de malabarismo!

Chamemos "pequena bola" a um "desvio não colossal das contas públicas".Chamemos "grande bola" a um "trabalho colossal para respeitar metas orçamentais".
Com um passe mágico que vai da (mão) esquerda para a direita, Victor Gaspar tranforma uma pequena bola numa grande bola!
Haja quem me explique como é que um problema que não é colossal requer uma solução colossal!
E, perdoe-me o Sr. Ministro, mas o ar de "zombie" empresta à sua actuação uma graça que seria enternecedora se não estivessemos nos apertos em que estamos...
Bom! e, para mim, se não estivessemos nas nãos dos "mercados" que tanta devoção lhe merecem... A si, ao seu governo e à sua maioria.

Wednesday, July 13, 2011

"Coup-de pioche"

"O coup-de-pioche consiste em espetar uma estaca no solo para simbolizar o acto de furar a cabeça da serpente da terra, para a fixar ao solo. Este gesto geomântico é um dos sinais implícitos no simbolismo de S. Jorge matando o dragão." (Rupert Sheldrake; L´âme de la nature)


O "coup-de-pioche", um simbólico golpe de picareta que dá inicio à escavação do terreno para a implantação da casa que a celebra num tempo mítico, in illo tempore, perdeu sentido com o desenraizamento da nossa sociedade tecnológica.
Rompida a teia de ligações tangíveis e intangíveis que entreteciamos com os lugares, dessacralizámos a terra e rimo-nos do "animismo" que animava os "coups de pioche".
Mas... será para rir?
A sucinta citação de Sheldrake deixa muito por explicar sobre o ritual da construção tradicional. As respostas encontramo-las em Mircea Eliade que nos remete para os seus Comentarii la legenda Mesterului Manole em "O Mito do Eterno Retorno". Como sublinha Eliade em "O Sagrado e o Profano", "a Serpente representa o Caos, o amorfo, o não-manifestado. Dacapitá-la equivale a um acto cosmogónico, à passagem do virtual e do amorfo ao formal."
Mas, o que pretendo aqui salientar é o sentido de pertença a um todo mais vasto que, nas sociedades tradicionais, é relembrado, ou mesmo assumidamente consumado (*), em rituais próprios e lugares sagrados, bem como na sacralização dos passos mais importantes da vida profana, tais como a implantação da casa, banalizada na sociedade moderna.
Ouçamos Edward Hyams: "Quando os homens trabalham a matéria usam duas espécies de utensílios: utensílos físicos de madeira, pedra, metal; e utensílios psicológicos... Os utensílios psicológicos podem ser divididos em duas subclasses, intelectuais e espirituais; os utensílios intelectuais dizem respeito ao método e agrupam-se em ciências; os utensílios espirituais dizem respeito ás nossas relações com o resto do universo e agrupam-se em mitologias e religiões"...
"E o que cabe ao utensílio espiritual? Ele é o membro desta trindade instrumental que permite ao homem controlar e testar as suas acções pelo feeling que tem sobre as consequências das mudanças que operam no meio ambiente."
Menosprezamos com arrogância, este instrumento espiritual na nossa sociedade secular intelectualizada, sobrevalorizando a ciência mecanicista que nos tem permitido realizar coisas fantásticas. Mas, na linha de raciocínio de Hyams, precisamos de revalorizar este instrumento espiritual para sustarmos a crise ecológica, na medida em que é fruto da nossa arrogância. Mas não será também fruto do pendor analítico do método científico que assume o todo como sendo igual á soma das partes?
Hyams surpreende-nos com uma porta de saída que interessa ás artes, ao admitir que a força deste instrumento reside na humildade que infunde e num sentido de unidade e de ordem que a arte pode cultivar, naqueles periodos em que atinge a integridade e a capacidade emocional que se perdem quando nos desligamos desses sentimentos espirituais".
Mas, qual foi o caminho que seguimos na arquitectura moderna?
Resposta Sheldrake, em consonância com Eliade:" A tendência moderna da arquitectura rompe deliberadamente com as tradições do passado e aborda a construção com o espírito da ciência mecanicista. Le Corbusier não declarava que as casas eram "máquinas de habitar?"
Isso mesmo... Ressalvando um pormenor sobre o outro lado de Corbu: o da Capela de Notre-Dame-du-Haut em Ronchamp... que para o Corbu era uma "máquina de emocionar", num recorrente vai-vem entre a razão e a emoção, em que traz ao de cima o seu pendor maquinista!
Mas não será Ronchamp uma estaca cravada no dragão da técnica?
_____________________________________________________________
(*) Segundo Mircea Eliade (em O Sagrado e o Profano), nas sociedades tradicionais, " sejam quais forem as dimensões do espaço que lhe é familiar e no qual ele se sente situado - o seu país, a sua cidade, a sua aldeia, a sua casa - o homem religioso experimenta a necessidade de existir sempre num mundo total e organizado, num Cosmos."

Sunday, July 10, 2011

Bem temiam os pais fundadores da nação americana

Acredito sinceramente que as instituições bancárias são mais perigosas para a nossas liberdades do que os exercitos em armas.
Se o povo americano vier a permitir que os bancos privados controlem a moeda, primeiro pela inflação e depois pela deflação, os bancos e as grandes empresas que irão crescer à sua volta, irão tirar tudo ás pessoas até que os seus filhos acordarão sem nada no continente conquistado pelos seus pais. O poder adquirido pelos bancos deve ser devolvido ao povo a que devidamente pertence.
Thomas Jefferson (1)

A Grécia está agora a servir para enfatizar o nosso "despesismo" (a par da perguiça, outra acusação que merece ponderação) como causa maior da actual crise financeira, pondo todas as culpas no vigarizado (por exemplo,na compra da casa) e esquecendo o vigarista (incentivos ao consumo e insustentáveis facilidades de crédito pelos bancos).
Esquece-se a causa fundamental da crise que foi a especulação bancária em que avultou toda especulação financeira do que se veio a designar por "produtos tóxicos", baseada nos empréstimos americanos sobre hipoteca, designados por "subprime".
Esta especulação financeira desviou capitais que deveriam ser aplicados na promoção da actividade económica, contribuindo para a actual crise económica.
Os previsíveis prejuízos que originou na banca acabaram por ser socializados, isto é, remetidos aos contribuintes para pagamento, exceptuando os mais ricos que fogem aos impostos por via dos paraísos fiscais, continuando assim a não contribuir nem para a economia nacional nem para as receitas do Estado.
Estado que, descapitalizado pela "socialização dos prejuízos" da especulação bancária bem como pela má gestão e pela corrupção, é obrigado pela Europa liberal de Maastricht a pedir emprestado à banca privada pela qual se endividou. Essa banca privada, seguindo a lógica capitalista, cobra elevados juros sobre o dinheiro que lhe é facilitado pelo Banco Central a baixo juro. Estes juros são catapultados por venais agências de notação privadas americanas que se chegou ao ponto de classificarem Estados-Nação, até agora com a complacência das altas instâncias europeias que estão assim a entregar o ouro ao bandido, isto é, a economia dos países membros impedidos de reagir à crise com a desvalorização da moeda por estarem na zona Euro, pondo em risco o Euro e, finalmente, a própria União Europeia!
Desarmados os Estados após trinta anos de desregulação ditada pelos fundamentalistas do mercado que lideram o FED, o FMI, e agora o BCE e a UE, estamos no cenário temido pelos pais fundadores da Nação americana!

(1) Esta declaração tem vindo a ser atribuida a Thomas Jefferson, 3º Presidente dos Estados Unidos de 1743 a 1826. Atribuição que tem sido contestada por não estar devidamente documentada e por conter possíveis anacronismos como o da referência à deflação, conceito que então seria desconhecido.
No entanto a referência à perigosidade dos bancos parece incontroversa... e é hoje, infelizmente para nós, uma realidade bem patente.

Thursday, July 07, 2011

O Capitalismo e a Tecnologia (1)

O liberalismo que está na raiz do capitalismo só reconhece individuos.
"Is not a man better than a town?" A pioneira autoconfianca exaltada por Ralph Emerson está impregnada de individualismo evangélico no pragmatismo americano: o homem, fundamentalmente bom, só tem que prestar contas a Deus, defender-se da corrupção social, das instituições sociais e sobretudo do Estado que, por isso deve ser minimo.
Na evolução vitoriana do individualismo, a sociedade fragmenta-se numa "luta pela sobrevivência" dos indivíduos uns contra os outros e contra a natureza.
O único elo de relação entre esses indivíduos que perseguem o lucro pelo artifício é a competição.
Competição regulada para bem de todos pela mão invisível do mercado, uma espécie de Deus ex-máquina que premia os mais fortes e castiga os mais fracos.
Eis o "darwinismo social" de matriz calvinista (segundo Max Weber) que influenciou o darwinismo natural na linha dura que vai de Thomas Huxley a Richard Dawkins (no Gene Egoísta).
A "Natureza", não é mais do que uma natureza selvagem em que as outras espécies repetem a mesma encarniçada competição.
Esta Natureza tem que ser domesticada para segurança, exclusivo proveito e glória destes seres singulares e, in fine, dos mais fortes entre eles.

Esta é a teoria pura que professam os fundamentalistas do mercado, do libertarianismo capitalista. A prática é coisa contraditória bem diferente!
O capitalismo não se desenvolve num vazio de (outras) ideias e práticas sociais que influenciam a evolução do próprio capitalismo.
O seu impeto competitivo menospreza os favores da natureza e a cooperação social, mas eles são incontornáveis e estão patentes na realização dos projectos individuais e no merging de grandes Empresas Transnacionais (ETN) tendencialmente tecnocráticas, lógico aboutissement da concorrência, em frontal contradição com o individualismo burguês inicial!

A perseguição do ambicionado poder remete para a tecnologia, a instrumentalização do mundo, a eficaz capacidade de mobilizar meios para alcancar fins, medida pela eficiência que anda de par com o sucesso dos mais capazes, dos mais aptos.
A lógica da eficácia, a tecno-lógica, catapultou o "darwinismo social" e a domesticação da Natureza que está no seu "código genético", contribuindo decisivamente para a globalização capitalista, ganha a Guerra Fria com a implosão da URSS.

"Tecnologia e Hubris" afinal!
Tecnologia e Hubris não são uma novidade na história das civilizações. Novidade é a aceleração do progresso tecnológico na nossa sociedade que, por isso, designamos por "Sociedade Tecnológica".

É para mim hoje bem visível que o progresso tecnológico conduzirá à nossa destruição, se não invertermos o signo hubrístico deste capitalismo desenfreado, introduzindo o tal "suplemento de alma" que falta à nossa Sociedade Tecnológica segundo Ellul, citando Bergson... ou espirito, ou ética, ou moral, ou valores, ou travões tradicionais, ou o que mais lhe quizerem chamar.

(1) Retomo hoje "O mítico capitalismo", reconsiderando a relação entre capitalismo e tecnologia.