A hipótese de uma dupla crise actual
O nossa constituição biológica é relativamente estável. Mais plástica parece ser a nossa consciência, cuja individualização é muito recente na história da humanidade (a fragilidade da consciencia-de-si, ainda imatura encontrei-a tratada por Fromm em "O medo a liberdade"). O conflito entre o indivíduo imaturo e a sociedade, a qual, partindo de comunidades sincréticas primitivas, se agigantou em sucessivas civilizações piramidais, acentuou-se na civilização ocidental, com a difusão da consciência individual pela base da pirâmide social, confrontada com a poderosa máquina social associada ao progresso cientifico-tecnológico, galopante nos últimos dois séculos. Este conflito entre o indivíduo e a sociedade coloca um problema ôntico; é um grande problema do nosso tempo, tal como pensava Einstein. Estão nele em causa o individuo e a sociedade, não sendo mais possível um civilização piramidal, a não ser por regressão da consciência numa sociedade de formigas(?)
Problema que se coloca, fundamentalmente, NA ESFERA DA CONSCIENCIA, e em que a integração social conflitua com a afirmação individual, o que é patente no exacerbado conflito individual entre o conformismo e o individualismo.
Mas este problema, NA ESFERA DAS RELAÇÕES ENTRE O INDIVÍDUO E A SOCIEDADE, não é o único. Um outro grave problema ôntico complementar se coloca na ESFERA DAS NOSSAS RELAÇÕES COM A "NATUREZA". Nós enquanto sociedade, deve-se precisar, pois é à escala colectiva que a nossa intervenção se torna problemática, talvez por efeito do jogo entre a húbris ancestral e a capacidade tecnico-científica desenvolvida, na medida em que sapa a base NATURAL da pirâmide social.
6 Comments:
Pois, concordo k possa conduzir ao colapso da sociedade, mas tvz COMO A CONHECEMOS. Ou pelo menos, tvz a sociedade k eh neste momento dominante (a cultura ocidental). Tal como a extincao dos dinossauros conduziu ah ascencao d uns pekenos roedores (k no fim, exigiam menos recursos), tb a nossa cultura pode ser extinta e substituida por culturas arcaicas e primitivas como as k existem em Africa (s entretanto n morrerem todos c Sida e Malaria!). No fundo: eles n precisam d petroleo, akecimento e plasmas! Bem mais simples!!! Beijinhos
Gostei bastante deste texto que me levou a pensar se a questão que se coloca não é: o que há ainda de natural num ser humano que é artificialmente forjado através de múltiplas tecnologias (da engenharia genética à biociência cosmética)? Também acredito que a ideia de colapso é eminente a uma sociedade autista que se rege pelo princípio do prazer mas também me questiono sobre o facto dos nossos pontos de vista estarem, por vezes, contaminados por visões e categorias que pouco servem para explicar a revolução digital em processo.
mouse
http://mouseland.blogs.ca.ua.pt/
Olá mouse
A terceira questão que fecha o seu comentário -sobre os "pontos de vista"- é para mim a mais importante.
Porque admito que a formulação das outras duas questões depende do "ponto de vista", da concepção que as informa.
E qual é a concepção do mundo que tem prevalecido na sociedade em que vivemos? Não é a da ciência clássica?
"For many years scientists SAW the universe as a LINEAR place. One where simple rules of cause and effect apply. They viewed the universe as a BIG MACHINE and thought that IF they took the machine apart and understood the parts than they would understand the whole. They also thought that the universe´s components could be VIEWED as MACHINES, believing that if we worked on the parts of these machines and made each part work better, then the whole would work better. Scientists BELIEVED the universe and everything in it could be PREDICTED and CONTROLLED".
Socorro-me aqui de Peter Fryer para descrever o que Lewis Mumford designou por sociedade MAQUINISTA, na qual a aliança entre a Ciência classica e a Técnica, separadas até Galileu e Newton, proporcionou o fulgurante progresso que nos trouxe tantas coisas boas mas também tantos problemas sociais e ambientais que atingem hoje uma escala global.
Gregory Bateson associa a capacidade técnica à HUBRIS numa sociedade em crescimento.
Diz Bateson: " That ALL of the many current TREATS TO MAN´S SURVIVAL are traceable to three root "causes":
(a) TECHNOLOGICAL PROGRESS;
(b) population increase;
(c) certain ERRORS IN THE THINKING and attitudes of Occidental culture"(...)
E continua Bateson, mais adiante : "these fundamental factors certainly interact. The increase of population spurs technological progress and creates that anxiety which sets us against our environment as an enemy; while technology both facilitates increase of population and reinforces our arrogance, or HUBRIS, vis-à-vis the natural environment".
Eis uma espécie de "regulação em tendência" em que vamos resolvendo caso a caso problemas cada vez mais difíceis, numa espécie de fuga para a frente tal como uma "locomotiva desenfreada".
"Para onde vamos segundo Tainter"?. È o título de uma outra reflexão sobre o colapso neste meu blog.
(A sua -mouse- associação do colapso a uma "sociedade autista" não me parece longe desta "explicação". Mas não vejo esta sociedade regulada pelo "principio do prazer". Gostava que explicasse melhor a sua ideia.)
Não vou fechar este meu comentário com o descarrilamento, pois vejo uma luz ao fundo do túnel.
(Há um conceito que remata o seu comentário que vai neste sentido. O conceito de PROCESSO).
Nesse sentido, da luz, vou retomar Peter Fryer:
"Gradually, as scientists of all the disciplines explored these phenomena (do mundo físico mas também do mundo vivo) a new theory emerged- COMPLEXITY THEORY. A theory based on relationships, emergence, patterns and itterations. A theory that maintains that the universe is full of systems, weather systems, immune systems, social systems, etc, and that these systems are complex and constantly adapting to their environment. Hence COMPLEX ADAPTIVE SYSTEMS."
Estes sistemas "afastados do equilíbrio" (Prigogine) são abertos.
Esta abertura é polissémica, não se circunscrevendo à concepção estritamente termodinâmica. Cabe nela,por exemplo, a democracia participativa e a creatividade (David Bohm, "On creativity") e, com ela a capacidade de inventarmos um futuro comum em que dê gosto viver...enquanto é tempo!
Jo
Reli o teu comentário.
Sabes que a hipótese que pões, da substituição de uma sociedade complexa que colapsa por sociedades mais simples é ficcionada por Coetze em "Waiting for the Barbarians" e, segundo me parece, também por Russel Hobban em Riddley Walker, o tal livro escrito num inglês "corrompido" de que te falei?
Esta hipotese é largamente desenvolvida por Joseph Tainter em "The collapse of complex societies".
Ele desenvolve a teoria de que a complexificação das sociedades se traduz num "problem solving", em que as suas soluções, cada vez mais engenhosas, geram novos problemas cada vez mais difíceis de resolver.
Neste processo, os benefícios são cada vez menores e os custos cada vez maiores, seguindo a lei dos rendimentos decrescentes até que os membros da sociedade começam a debandar ao sentir que não vale a pena viver nela.
Pode acontecer então que colapse em sociedades mais simples mais eficientes, seja absorvida por outra sociedade complexa mais equilibrada, ou que sociedades periféricas mais simples, outrora inofensivas, começem a tomar conta dessa sociedade com a aceitação dos membros em debandada.
O exemplo mais frisante e desenvolvido por Tainter é o de Roma,cada vez mais enfraquecida por custos estatais crescentes e guerras cada vez menos compensadoras até colapsar sob a acção dos "barbaros".
Portugal poderia ser analizado à luz desta "lei dos rendimentos decrescentes"!?
Concordo que a teoria dos sistemas pode ser interessante para explicar a complexidade das sociedades actuais mas penso que se trata de mais uma redução "tecnocientífica". Ora, não é o próprio conceito de emergência (gera-se complexidade a partir de regras simples) uma mera redução da "natureza" humana? Até que ponto a teoria dos sistemas e da complexidade está de facto aberta ao acidente (no sentido de Virilio em que cada nova tecnologia trás consigo também a sua catástrofe, i. e., o Titanic criou o naufrágio) e não acaba por ser mais do mesmo uma vez que os ambientes analisados são reduzidos a um conjunto de regras interpretáveis à priori pelo cientista social? Simplificações úteis que geram interpretações dinâmicas..?
Compreender o todo como a soma das suas partes (teoria clássica) ou dizer que o todo supera a mera soma das partes a partir de reduções (regras simples) que geram complexidade não é cair novamente na análise de ambientes controláveis e pré definidos? Pergunto-me até que ponto a teoria dos sistemas tem de facto em consideração a criatividade e a plasticidade e não faz somente uma inversão do objecto de estudo incluindo o observado dentro da própria observação? Aquilo que era previsível e controlável é agora imprevisível e incontrolável pois não permite um exterior em relação ao ambiente uma vez que o observador faz parte desse mesmo ambiente em análise. Pergunto-me até que ponto este discurso não potencia inúmeros equívocos sobre a forma de soluções simplificadas e invertidas reificando as mesmas narrativas...?
Quanto ao princípio do prazer penso que estava “sobre influência” do último filme de Sofia Coppola, Marie Antoinette, que me fez pensar bastante sobre a incapacidade de percepcionar a realidade exterior quando imersos em redomas e ambientes assépticos. O caso dos países ocidentais. Até que ponto uma sociedade que oferece tantas soluções aparentes e descartáveis para a diversão e entretenimento, sociedade ludológica por excelência, não demonstra uma enorme suspeição em relação ao prazer, ou seja, àquilo que é diversão e entretenimento. O jogo cultural, diria Olu Oguibe, que faz com que sejamos absolutamente desconfiados com tudo o que tenha a ver com a fenomenologia e com a imersão dos sentidos (emocionalmente aterrados por medos fictícios e reais, talvez por influência do anti esteta Platão). Uma suspeição só comparável ao puritanismo do tempo da Lady Chartterley de D. H. Lawrence…
xxx mouse
mouse
Partilho da sua reação em nome da liberdade e da sensibilidade, contra as teorias.
Não tenho competência para sair em defesa da Teoria dos Sistemas e da Complexidade. Na minha ignorância, reconheço neles algumas "propriedades simples" que aprecio: serem sistemas abertos (desde logo em termos estritamente termodinâmicos), a sua sensibilidade ás condições iniciais, o feedback, a irreversibilidade e a "duração" (a durée de Bergson).
No meu entender, estas "qualidades" vocacionam-nos para serem não-deterministas, podendo caber neles a liberdade em que situo a liberdade criativa. E a sensibilidade.
Admito no entanto que possam ser "linearizados", reduzidos ao causalismo determinista por hábitos de pensamento persistentes... o que a meu ver será um entorse preverso.
Este risco e a nossa reacção em nome da liberdade e da sensibilidade , levam-me a por à sua consideração e comentário, o que diz Fromm em O Medo da Liberdade, sobre os actuais desafios à sensibilidade e à liberdade de pensar e de querer:
“As emoções são geralmente desencorajadas na nossa sociedade. Não se duvida que o pensamento criativo, qualquer actividade criativa, está ligada á emoção, mas tornou-se um ideal viver sem emoções”. Mas, como elas não podem ser eliminadas, prossegue Fromm, são remetidas para uma existencia complementar, à margem do intelecto, alimentando um sentimentalismo vulgar e falso, explorado nos média e nas canções “pimba”. Quando não explode em emoções espectaculares.
“A deturpação que se dá com os sentimentos e emoções, sucede com o pensamento original, logo na educação da criança”, que é desencorajada na sua genuína busca da verdade, “como meio seguro para se orientar num mundo extranho e poderoso”. “Centenas de factos são despejados nas cabeças dos alunos”, com a presunção patética de que “quanto maior for o número de factos conhecidos, melhor será o entendimento da realidade”. Recordo como Charles Dickens tratou tão expressivamente este factualismo em “Hard Times”.
“Outro modo de desestimular o pensamento original, muito ligado a este, é o de encarar toda a verdade como relativa” (...) que combinado com o “especialismo” e a “destruição de qualquer tipo de imagem estruturada do mundo”, pode “paralizar a capacidade de pensar criticamente”.
No especialismo, faz-se crer que questões básicas da vida individual e social são tão complicadas que só um especialista pode compreende-las. Estou aqui a lembrar-me do programa da TV1 “Prós e contras”.
Bom, quanto à visão destruturada, basta ver os telejornais que misturam catástrofes, com modas, anuncios, guerras, futebol, economia etc.
“Em nome da liberdade, a vida perde toda a sua estrutura, compondo-se de peças separadas desprovidas de uma ideia de conjunto. O indivíduo é deixado a sós com estas peças como uma crianças com um quebra-cabeças.”
“O que foi dito da falta de “originalidade” no sentir e no pensar também se aplica ao querer. Admitir isto é particularmente difícil; o homem moderno parece ter desejos demais(...) Mas será que é ele que deseja? “Há a vaga percepção da verdade –a verdade de que o homem moderno vive na ilusão de saber o que quer, quando de facto ele quer o que se pretende que deva querer. É que, “saber o que realmente se quer não é tão facil como a amioria das pessoas imagina. É um dos mais árduos problemas que todo o ser humano tem que solucionar”.
PS: Oh mouse, não foi o Titanic que criou o naufrágio. Só se foi o naufrágio titanico! Titanico como tantas coisas do nosso tempo, a bomba de Hiroxima, Chernobyl... que combinam tecnologia e hubris. A propósito, a teoria dos sistemas e da complexidade está de facto aberta ao acidente, no sentido de Virilio, isto é, na medida em que ele se associa á tecnologia, o que não me parece uma ideia original. Mumford historiou em profundidade sobre isso e há tão bons livros de ficção que disso tratam!
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