Reflexões Planetárias

Thursday, June 25, 2015

A casa Tugendhat

La beauté n'est que la promesse du bonheur
Stendhal
A Casa dos Tugendhat em Brno e o Repräsentationspavillon(1) da Alemanha na Feira Universal de 1929 em Barcelona, foram projectados ao mesmo tempo por Mies van der Rohe e Lilly Reich. Hoje, estão os dois reconstruidos e podem ser visitados.
O pavilhão parece um ensaio à escala natural da vasta "sala de vidro" da moradia! Salta à vista nos desenhos!
Um pavilhão de exposições igual à sala de estar de uma moradia?
Pois! Grete Löw-Beer reconhecia que "a moradia não seria o melhor lugar para as ideias espaciais de Mies, mas sentia-se liberta pela solenidade e pela grandeza da sala" e Fritz Tugendhat, seu marido, prezava o "sentido de beleza e verdade que nela encontrava". As declarações de Grete não deixam dúvidas sobre o espírito moderno que partilhava com Fritz Tugendhat: "Ansiava verdadeiramente por uma espaçosa casa moderna de formas simples e claras. O meu marido ficava horrorizado com a ideia de vir a ter as salas cheias de objectos e cortinados que conhecera na sua infância"
Enfim, Mies partilhava com o casal uma nova forma de espiritualidade, um "esprit nouveau".

As "ideias espaciais de Mies" fluem livremente no Pavilhão de Barcelona que tive a oportunidade de visitar. A fluidez do espaço interior prolonga-se na transição para o espaço exterior através de espaços intermédios, definidos pelo prolongamento de muros, pavimentos e tectos, no jogo ortogonal de planos horizontais e verticais que encontramos nos trabalhos de Van Doesbourg, um dos chefes de fila do movimento De Stijl, apostado na criação de uma linguagem visual apropriada à era moderna.
O espaço desenvolve-se em sucessivas inflexões ao longo de um único eixo, conduzindo-nos para nascente à introversão de um pátio e para poente à extroversão de um largo.
Entrando, para que lado vamos? Para o lado nascente, a caminho do pátio atraidos pelo aceno irresistível do Amanhecer, na figura de uma mulher que, pela arte de Georg Kolbe, se esperguiça como quem dança na rocha exígua que emerge do espelho de água da praia minimalista contida no pátio. Mensagem forte a nascente, de uma Alemanha que queria amanhecer de novo em águas tranquilas e transparentes!?


A luz natural acentua a leveza e horizontalidade da composição ao difundir-se pela brancura do pavimento e do tecto, bem como a desmaterializa em multiplas reflexões, transparências, na translucidez dos vidros opalinos e até da parede de ónix. É um espaço vasto, abstrato e nu que concede na abstração quando explora na nudez dos materiais, as suas qualidades tacteis e visuais. Espaço abstrato e nu que nunca foi recinto para uma exposição, mas ainda hoje é uma pura manifestação do "esprit nouveau" por natureza avesso a (más) recordações.



A "sala de vidro" da Casa Tugendhat, com cerca de 300m2, é ainda mais vasta, parca de mobiliário e sem referências ao passado como desejava Fritz Tugendhat. Um espaço abstrato e nu de uma tirânica beleza(2) que chega ao mais ínfimo detalhe. O espaço interior não transita para o exterior como no pavilhão de Barcelona: é uma caixa com dois lados transparentes, protegida das vistas por uma estufa a nascente e aberta a sul, para o sol e para as vistas sobre o jardim com o casario de Brno no horizonte, através de um extenso envidraçado, dividido em cinco grandes panos, dois dos quais podem recolher completamentemente mas, dado o desnivel, não nos deixam sair para o jardim!

A casa adapta-se ao declive da encosta como a "Health House" de Richard Neutra: colocando os quartos no piso da entrada ao nivel da rua e a sala no piso inferior, contraria a privacidade mas permite neste caso recolher os envidraçados na cave onde estão instalados os motores e contrapesos complementares.

A paz interior que senti na visita que fiz ao Pavilhão de Barcelona, fez-me pensar no papel significativo que a "sala de vidro" teria desempenhado na vida do jovem casal de judeus alemães da rica burguesia industrial de Brno. Feliz circunstância que viria a ser a sua desgraça. Corria o ano de 1938, acastelavam-se a norte as nuvens da guerra e da morte que levaram o casal a abandonar para sempre a sua casa, dez anos depois de a terem sonhado e vivido. Hitler acabava de invadir a Austria, colocando a Morávia no olho do furacão.

Uma história que daria um belo romance!... E deu! É possível adivinhar os sentimentos que alimentou e o pragmático menosprezo que depois a vandalizou, no romance "A sala de vidro" de Simon Mawer; porventura o único romance em que o principal personagem é uma casa, uma bela casa: a casa Landauer. Aliás a casa Tugendhat... em que se suspendeu a felicidade.
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(1) "The building had no real program, as that term is understood and used by architects today. It was to be whatever Mies chose to make of it. The only function it had to accommodate was a reception for the King and Queen of Spain as they signed the "Golden Book" officially opening the exposition." A incumbência de Mies era "mostrar o novo espirito da República de Weimar". "Sinceridade, simplicidade e honestidade" seriam atributos essenciais da Alemanha que a arquitectura deveria sublinhar. Duma Alemanha laboriosa e criativa que, desde 1924 vivia os seus "dourados anos 20". No ano seguinte dá-se o crash da Bolsa de Nova York; é o principio do fim da Républica de Weimar. Em 1930 é demolido o Pavilhão de Barcelona conforme estava programado e... os nazis tornam-se o segundo partido mais votado nas eleições para o Reichstag, no meio de uma profunda crise social.
(2) O "abstracionismo" de Mies levava por vezes os mais fieis clientes a sacrificarem-se pela arte. Os Tugendhat não podiam mudar um milimetro a posição mesa de refeições; Mies amarrara o pé minimalista ao chão para que ela não pudesse ser descentrada. Tentaram em vão meter na cave o piano de cauda que não estava no projecto na expectativa de uma visita de Mies... que felizmente não se realizou.
Há um anedotário com histórias idênticas alusivas aos excessos do formalismo visualista de Mies que já me foi dado comentar, bem como de outros arquitectos modernos, como Richard Neutra e F. L Wright.

1 Comments:

At 11:28 AM, Anonymous Anonymous said...

Gostei de ler este post. Realmente o pavilhao minimalista tambem me inspirou esta sensacao de tranquilidade, de que falas. Nao sabia que havia que ele tinha feito uma replica do pavilhao numa sala de estar, mas com uma historia tao atribulada associada a esses espaco nao me espanta que tenham escrito um romance...

 

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