Carlota Pérez
Carlota Pérez esteve na Fundação Portuguesa das Comunicações, no passado dia 18, integrada no Ciclo de Conferências "humanhabitat" promovido pela Iniciativa Construção Sustentável.
Carlota Pérez apresentou a sua visão da crise que atravessamos, com contagiante vivacidade.
Mas qual a sua visão?
Mais uma crise de transição em mais um ciclo de Kondratiev, a que o "gato de sete foles " do capitalismo poderá sobreviver, qual "fenix renascida", proporcionando-nos mais uma "idade de oiro".
As novas tecnologias de informação e comunicação que estão na origem da crise financeira pelo abuso dos "mercados financeiros" - o que é para muitos de nós uma dolorosa realidade - poderão dar-nos a possibilidade de participar activamente numa sociedade capitalista integralmente globalizada - o que é uma ficção. Uma ficção que, a meu ver, dá força ás ETN (Empresas Trans-Nacionais), podendo ter um efeito mobilizador mas também sedativo no "consumidor" desorientado.
Lewis Mumford acompanhava Schumpeter que, sobre o futuro do capitalismo, tinha uma visão bem mais sombria do que a desta sua "discípula".
Cito Mumford ("The Myth of the Machine", 1964):
"Schumpeter fez notar, uma geração atrás, que o capitalismo gerou por si próprio as práticas que poderão causar a sua substituição por uma forma de colectivismo impessoal em que não há lugar para a propriedade privada, juizos de valor pessoais, contratos individuais e, eventualmente para ganhos e compensações pessoais, excepto nas antigas formas de "status" e privilégio".
Mas não foi o cenário optimista imaginado por Carlota Pérez toldado por algumas núvens de desumanidade e incerteza?
Penso que sim.
Não é humano reduzir-nos a um "capital humano". Carlota Pérez, ao avançar com uma justificação para tão fria expressão, mostrou aperceber-se que desperta nas pessoas este receio, quanto a mim fundado. E mesmo Carlota Pérez mostrou senti-lo na sua referência à família ameaçada.
Quanto ás preocupações ecológicas contidas no seu cenário optimista, afinal disse pouco. Pareceu-me que do seu ponto de vista, são uma "boa oportunidade de negócio", mas que sobretudo é imperativo meter a máquina do progresso (ou o progresso da máquina) dentro da capacidade de carga dos ecossistemas para evitar o colapso. Bem dentro do modelo termodinâmico de Odum ("Fundamentos de Ecologia") e bem longe de outra espécie de visões como as de Mumford, Attenborough, ou Bateson (Harries-Jones, "A Recursive Vision"), em que também nos ecossistemas a informação é mais importante do que a "energia" .
Claro que há outras visões não maquinistas sobre o capitalismo, a crise actual e o futuro que entram com o importante papel do progresso científico-tecnológico. Por exemplo a de Fritjof Capra ("The Hidden Connections"), para citar uma que "conversa" com a de Carlota Pérez... e com os arquitectos.
Carlota Pérez levou-me a retomar George Basalla ("A Evolução da Tecnologia") que tinha deixado a meio. Lá encontrei os seis pressupostos da ideia de progresso que ele define e judiciosamente questiona:
"Primeiro, a inovação tecnológica traz invariavelmente uma melhoria do artefacto que sofre a mudança. Segundo, os avanços da tecnologia contribuem directamente para melhorias nas nossas vidas material, social, cultural e espiritual, acelerando deste modo, o crescimento da civilização. Terceiro, o progresso feito na tecnologia e logo na civilização, pode ser medido de uma forma não ambígua com referência à velocidade, à eficácia, à potência ou outra medida quantitativa. Quarto, as origens, a direcção e a influência tecnológica são completamente controladas pelo Homem. Quinto, a tecnologia conquistou a natureza e forçou-a a servir necessidades humanas. Sexto, a tecnologia e a civilização atingiram as suas formas mais elevadas nas nações industrializadas ocidentais".
Carlota Pérez pode ser entendida a esta luz.
Carlota Pérez navega na maré alta da economia política. Herbert Read, teórico e historiador de Arte muito atento à evolução da nossa sociedade moderna deixou esta amarga apreciação da economia política, em "To Hell with Culture":
"Há uma ciência chamada economia, ou economia política. Ela é a desgraça da civilização tecnológica. Falhou na concepção de uma teoria coerente da produção, distribuição e consumo dos bens transacionaveis que proliferaram com a produção mecanizada. Falhou, não conseguindo dar-nos um meio internacional de troca sem as flutuações e desastres do padrão do ouro. Está dividida numa luta de seitas com dogmas irreconciliáveis que só se pode comparar com as querelas escolásticas medievais."
Os últimos vinte anos de promessas e enganos não nos levam a dar-lhe alguma razão?
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