A integração europeia está a andar para trás?
A integração europeia está a andar para trás? Pergunta C.J. Polychroniou a Noam Chomsky.
A entrevista, publicada em 25 de Janeiro passado na revista "truthout", articula duas ameaças à integridade da Europa: a ameaça exterior das ondas de refugiados e imigrantes que se abatem sobre a Europa e outra gerada no seu interior pela política de austeridade. Não só no segundo, mas também no primeiro caso a Europa está a sofrer as consequências dos seus próprios actos, numa espécie de Nemésis como referi num artigo algo sombrio de Novembro passado, na sequência de um outro sobre o "Naufrágio da Europa", em arrepiante consonância com Chomsky que o desenvolve com a sua fundamentada assertividade.
Senão vejamos. Diz Chomsky sobre as origem da crise dos refugiados: "Dois golpes do camartelo ocidental tiveram um efeito dramático. O primeiro foi a invasão do Iraque pela coligação Estados Unidos-Grã Bretanha. O segundo golpe do camartelo destruiu a Líbia, hoje um caos de bandos armados."
Estas são causas próximas, porque há outras mais antigas. "Durante séculos, a Europa torturou África - ou, em termos mais brandos - explorou Africa em proveito próprio, se adoptarmos a recomendação de george Kennan no pós-guerra (da II Guerra Mundial)."
E de que maneira! Chomsky cita o caso do Congo. Patrice Lumumba, uma das mais proeminentes figuras de Africa" ..."foi marcado pela CIA para ser assassinado, mas os Belgas adiantaram-se. O seu corpo foi cortado aos bocados e dissovido em acido sulfúrico. Os Estados Unidos e seus aliados apoiaram o criminoso cleptomaniaco Mobutu. Hoje, o Congo Oriental é palco das maiores carnificinas, apoiadas pelo Rwanda, o favorito dos Estados Unidos, enquanto os bandos armados cobrem a avidez das multinacionais ocidentais pelos minerais para telemóveis e outras maravilhas tecnológicas." Poderiamos andar muito mais para trás nos exemplos!
Causas próximas e longínquas originadas no Ocidente, Europa e Estados Unidos.
Mas existe ainda a "terrivel seca na Síria que destroçou a sociedade, provavelmente um efeito do Aquecimento Global que não é exatamente natural. A crise de Darfur foi em parte consequência da desertificação"... "As horríveis fomes na Africa Central de hoje, também se podem dever em parte ao assalto ao ambiente durante o Antropoceno"...
A destruição do ambiente de vida e a dilaceração social dos povos do Médio Oriente e de Africa como a Síria e a Líbia e da Asia como o Afeganistão, com a contribuição da política ocidental de há séculos, justificam a dimensão da crise humanitária que agora se abate directamente sobre os povos Europeus e a sua dificuldade em lidar com ela, nesta fase em que a ofensiva neoliberal tomou conta da liderança política em que mais se acentua o culto da competição em prejuízo da ajuda mútua.
A governança da União Europeia, nas incisívas palavras de Chomsky, "baqueou quase totalmente na resposta à catastrofe humana que é em grande parte o resultado dos crimes do Ocidente". "Poucos são os que, pelo menos temporariamente, quizeram fazer mais do que levantar um dedo, como a Alemanha e a Suécia", "numa Europa que pretende induzir a Turquia a manter as miseráveis vitimas do "naufrágio" bem longe das suas fronteiras, tal como a América está a fazer, pressionando o México a manter longe das suas os que pretendem fugir das ruínas deixadas pelos crimes dos Estados Unidos na América Central."
A esta ameaça exterior à integração europeia, soma-se a que é gerada no seu interior pela política de austeridade, fruto da mesma subordinação aos interesses, dos valores de que tanto se vangloria esta Europa do capital.
Não resisto a estender-me na tradução da analise crítica de Chomsky sobre o caso grego que me parece exemplar: "A crise grega continua incontida e os credores internacionais exigem constantemente mais reformas daquelas que qualquer governo europeu não seria capaz de implementar. Em certos casos, de facto, as suas exigências de mais reformas não são acompanhadas por medidas específicas, dando a impressão de que se trata de uma demonstração de um sadismo brutal exercido sobre povo grego."
"Quando o governo da Grécia sugeriu que se pedisse ao povo grego para expressar as suas opiniões sobre o seu futuro, a reacção da elite europeia foi de absoluto horror perante tal imprudência. Os gregos a ousar ver a democracia como um valor a ser respeitado no país onde nasceu? Os governantes eurocratas reagiram com um sadismo extremo, impondo medidas ainda mais duras, sem dúvida para arruinar a Grécia e apropriar-se de tudo o que quizesssem. O alvo de tal sadismo não são em particular os gregos, mas todos os que ousarem imaginar que o povo pode ter direitos que se meçam com os das instituições financeiras e dos investidores." A pensar portanto nos portugueses, nos espanhois, nos irlandeses...
E continua Chomsky: "Geralmente as medidas de austeridade fazem pouco sentido, mesmo para economistas do FMI (que não para os seus actores políticos). É dificil pensar tudo isto senão como uma guerra de classes, procurando desfazer os ganhos democráticos que foram uma das maiores contribuições da civilização moderna."
Mas afinal o governo do Syriza renegou as suas promessas pré- eleitorais acabando por assinar o acordo de resgate, observa o entrevistador! Chomsky responde cautelosamente, manifestando não se sentir suficiente próximo da situação para comentar, mas não deixa de notar que "As suas opções poderiam ser consideravelmente ampliadas se eles tivessem recebido um suporte significativo de outras forças populares da Europa." Não estará então o Syriza a resistir na esperança que isso ainda venha a acontecer?
Finalmente, convicto de que se poderá ir muito mais longe nas reformas democráticas pressionando-as até ao seus limites dentro do sistema capitalista, Chomsky distingue o processo da moeda úníca circunstancialmente inapropriado, do processo de integração europeia que considera ser um grande avanço.
Noam Chomsky não é um velho radical desiludido, mas um jovem de oitenta e sete anos que mobiliza a esperança que subsiste em todos nós!
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