Reflexões Planetárias

Wednesday, March 13, 2013

Pelas Tabelas

Chico Buarque.
Vivia-se então no Brasil dos anos oitenta o fim da ditadura militar, na fase da "transição democrática" do general Figueiredo.
O Movimento das "Directas já", conhecido por "movimento das tabelas" promoveu então o "passeio dos cem mil" com as suas bandeiras e camisas amarelas e o ensurdecedor matraquear das tampas de panelas... passeio em que Chico teria participado, apesar de tudo a contragosto. Chico estaria dividido! Com a cabeça "pelas tabelas". (ver blog )
O estado de espírito de um tempo de mudança que Chico viveu - quem seria "ela puxando o cordão"? A liberdade, a democracia? - dá lugar a uma pequena obra de arte em que a letra e a música se fundem num balanço circular bem brasileiro que cresce em ritmo e em intensidade à medida que o passeio se aproxima de nós, para depois se desvanecer na distância.(1)

Roberta Sá é de outro tempo! Mal era nascida no tempo dos generais! Não pode pois ter a carga emotiva do Chico que além do mais é dele, mas desenvolve na perfeição o balanço circular em crescendo que acentua com duas subtis subidas de tom(*).


Roberta é correntemente vulgar, mas quando se junta a Chico Buarque, Ney Matogrosso, João Bosco ou Yamandu Costa, transmuta-se, corpo e voz - e que voz docemente velada! - numa deusa de transcendente sensualidade! O passeio de Roberta não é o de Chico, mas vale a pena atentar na sua figura, com se veste, como ela se mexe pelo palco no balanço do samba, dos pés à cabeça, até ao mais pequeno pormenor. Acaba rodando, rodando, como que levada pela impulsão circular em que se fundem a letra e a música.
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(1) Neste balanço circular as estrofes colam-se umas à outras sem interrupção e até palavras prosaicas com "provavelmente" servem para acentuar a batida! E de que maneira! Eis a letra:
Ando com minha cabeça já pelas tabelas
Claro que ninguém se toca com minha aflição
Quando vi todo mundo na rua de blusa amarela
Eu achei que era ela puxando o cordã(o)
oito horas e danço de blusa amarela
Minha cabeça talvez faça as pazes assim
Quando ouvi a cidade de noite batendo as panelas
Eu pensei que era ela voltando prá mi(m)
nha cabeça de noite batendo panelas
Provavelmente não deixa a cidade dormir
Quando vi um bocado de gente
Descendo as favelas
Eu achei que era o povo que vinha pedir
a cabeça de um homem que olhava as favelas
Minha cabeça rolando no maracanã
Quando vi a galera aplaudindo de pé as tabelas
Eu jurei que era ela que vinha chegando
(*)com minha cabeça já pelas tabelas
Claro que ninguém se importa com minha aflição
Quando vi todo mundo na rua de blusa amarela
Eu achei que era ela puxando o cordã(o)
oito horas e danço de blusa amarela
Minha cabeça talvez faça as pazes assim
Quando ouvi a cidade de noite batendo as panelas
Eu pensei que era ela voltando prá mi(m)
nha cabeça de noite batendo panelas
Provavelmente não deixa a cidade dormir
Quando vi um bocado de gente
Descendo as favelas
Eu achei que era o povo que vinha pedir
a cabeça de um homem que olhava as favelas
Minha cabeça rolando no maracanã
(**) Quando vi a galera aplaudindo de pé as tabelas
Eu jurei que era ela que vinha chegando
(*)com minha cabeça já numa baixela
Claro que ninguém se toca com minha aflição
Quando vi todo mundo na rua de blusa amarela
Eu achei que era ela puxando o cordão
´ndo com a minha cabeça....

(*) Subida de tom na interpretação de Roberta Sá
(**) Tocante harmonização. Roberta Sá não descura nada o acompanhamento, designadamente por conjuntos com o Trio Madeira Brasil

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