Reflexões Planetárias

Thursday, November 01, 2007

Para uma história do (in)conforto em Portugal

Em meados do século XVIII, o aventureiro milanez Giuzeppe Gorani observava que em Lisboa ...”as habitações das pessoas de teres estavam melhor trastejadas e arranjadas com mais gosto do que as de Madrid. A disposição dos aposentos estava distribuída de maneira a evitar o calor. Mas, exactamente como em Espanha, não havia mais chaminés do que a da cozinha. No Inverno, um brazeiro e um bom capote substituíam os fogões de parede.”

No primeiro quartel do século XX , Fialho de Almeida, comentava na Vida Irónica: “Hontem, como o frio aperta deveras nas casas, fui-me ao acaso das pernas, dar uma volta pelos bairros afastados da cidade.”

Das nossas casas de então dizia Antero de Figueiredo nas suas Recordações e Viagens de 1905: “Sei o que lhes falta e é muito, pois os nossos avós eram insensíveis ao desconforto”, para ele uma “qualidade que não contribuiu pouco para serem rijos”

Estes três testemunhos ilustram uma relação frugal com o clima, uma atitude de adaptação, muitas vezes sofrida, sobretudo em relação ao frio que eu tive e ainda tenho oportunidade de conhecer e que Orlando Ribeiro enquadrou no contexto mediterrâneo:

“Suportável na rua e no campo, agradável ao sol abrigado, o Inverno é duro no interior das habitações, onde o frio se acumula e permanece: mal aquecidas por falta de lenha, mas também porque a raridade do frio intenso não torna indispensável esta defesa."
"Assim, enquanto o Inverno na Europa média convida a uma intimidade no interior, o frio vence-se aqui apanhando sol ou aquecendo por um rápido passeio a pé.”
Era o que fazia Fialho de Almeida!... E vem-me à mente uma outra solução económica: a de adaptar as nossas casas a um clima ameno, reservando um refúgio para os dias mais frios!

Esta relação frugal com o clima chegou até aos nossos dias. José Nunes Curado, director do Newsletter do Confidencial Imobiliário observava no Diário de Notícias de 24.2.1966, algo que já constatei: "Tenho alguns amigos que vivem em países onde o clima é muito menos ameno do que o nosso e, quando visitam Portugal, queixam-se de sofrer aqui o frio que não sentem no Norte da Europa e no Canadá."
E concluía Curado:"Na realidade em Portugal investe-se muito mais na qualidade da casa ( entendida como sinónimo de nobreza e robustez dos materiais...) do que na funcionalidade do seu uso". Já o dizia Giuzeppe Gorani!

Em Nunes Curado nota-se já a penetração de outras exigências de conforto. A crescente pressão da “oferta” de aparelhos de aquecimento, ventilação e ar condicionado aliada ás condições de inconforto das nossas casas - porventura tradicionais quanto ao frio, mais recentes quanto ao calor – indicia e aviva uma mudança na mentalidade e nos hábitos, influenciada pelos ventos que vêm do Norte da Europa no sentido de uma relação de oposição ao clima, de viver contra o clima, na excessiva dependência das máquinas.

Mas se o tradicional inconforto nos enrijecia, segundo Antero, o conforto mecânico não nos vai amolecendo? Não favorece ele uma espécie de privação sensorial que nos priva da experiência multisensorial que, no meio da nossa frugalidade térmica enriquecia a vida quotidiana nas nossas casas, como “o cheiro fresco das maçãs camoesas a corarem nos frisos da sala de jantar” que Antero de Figueiredo tinha ainda no nariz?

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