Reflexões Planetárias

Saturday, July 28, 2012

Ressonâncias

"Um país de bananas governado por sacanas"
D. Carlos, Rei de Portugal
Releio Ortega y Gasset e não paro de encontrar ressonâncias impressionantes neste Portugal e nesta Europa em que "mandam as montras". "Mandam as montras", manda o dinheiro queria dizer Gasset, mandam os mercados como hoje se diz, porque "os outros poderes organizadores da sociedade se retiraram".
À deriva, sem nenhum projecto colectivo mobilizador, os governados não se reconhecem claramente nos governantes e os governantes não se mostram dignos de o ser.

Em causa, a "função decisiva em toda a sociedade" que é para Gasset "a de mandar e obedecer". Se nela estiver confusa a questão de quem manda, tudo irá mal.
Até o indivíduo será perturbado no seu mais íntimo ser.
Se ele fosse um ser solitário que só acidentalmente se encontrasse com os outros, talvez fosse imune aos efeitos dos jogos e crises de poder mas, considera Gasset, sendo o homem intrinsecamente social, o seu caracter é perturbado e, com o tempo, acaba por cair num estado de desmoralização. Num estado de acanalhamento que, para Gasset, "não é outra coisa senão a aceitação como estado habitual e construído de uma irregularidade, de algo que continua a parecer indevido apesar de ser aceite. Como não é possível converter em sã normalidade o que na sua essência é criminoso e anormal, o indivíduo opta por adaptar-se ao que é indevido, tornando-se por completo solidário com o crime ou irregularidade que alastra."
Eis o estado de acanalhamento que se pode traduzir neste misto de humor corrosivo e passividade política que grassa hoje em Portugal.
Mas Gasset observa com optimismo: "Todas as nações atravessaram jornadas em que aspirou a mandar nelas quem não devia mandar; mas um forte instinto fê-las concentrar logo as suas energias e expelir aquela pretensão de mando".
Mando. Para não cairmos em graves confusões atentemos em Gasset: "Não se manda em seco.O mando consiste numa pressão que se exerce sobre os outros. Mas não consiste só nisto. Seria violência se fosse só isto. Não esqueçamos que mandar tem efeito duplo: manda-se em alguém mas manda-se-lhe alguma coisa. E o que se manda é que participe num empreendimento, num grande sentido histórico..."
"Não convém embarcar pois, na opinião trivial que julga ver na actuação dos grandes povos - como na dos homens - uma inspiração puramente egoísta. Não é tão fácil como se crê, ser um egoísta puro e nunca ninguém triunfou sendo-o. O egoísmo aparente dos grandes povos e dos grandes homens é a dureza inevitável com que tem que comportar-se quem tem a sua vida dedicada a um empreendimento. Não se nos pode pedir que estejamos disponíveis para atender os transeuntes e que nos dediquemos a pequenos altruísmos do acaso, quando na verdade vamos fazer qualquer coisa e nos entregamos a um projecto."
E Gasset dá um exemplo que serve para Portugal: "Uma das coisas que mais encantam quem atravessa Espanha é que, se perguntarem a alguém na rua onde fica uma praça ou um edifício, o interrogado deixa com frequência o caminho que leva e sacrifica-se generosamente, conduzindo-o ao lugar que lhe interessa."
E Gasset comenta com uma ponta de humor filosófico: "Não nego que possa haver nesta índole do bom celtibero alguma generosidade e alegro-me que o estrangeiro interprete assim a sua conduta. Mas nunca ao ouvi-lo e lê-lo pude reprimir este receio: será que o compatriota ia de verdade a alguma parte? Porque poderá muitas vezes acontecer que o espanhol não vá a sítio nenhum, não tenha projecto nem missão, antes pelo contrário, entre na vida dos outros para ver se a dos outros enche um pouco a sua."

Não tenha projecto nem missão!
Qual o nosso projecto para Portugal hoje?
Reduzir o déficit controlando o orçamento do estado e aumentar as exportações... para pagar uma dívida impagável?
É isto projecto que se veja?
Será de admirar que não mobilize ninguém... a não ser os oportunistas, os canalhas-mor?

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