A crise europeia segundo Mike Davis
Mike Davis é um observador da vida das cidades na linha de Lewis Mumford embora sem a sua enciclopédica erudição, mas dotado de um espirito crítico que se expressa numa escrita acutilante e criativa.
O seu "City of Quartz" é um quadro vigoroso das tensões que se desenvolviam em Los Angeles e que explodiram nos motins de 1992.
"Planet of Slums" percorre o submundo planetário dos "bairros de lata", denunciando os mecanismos de exclusão que os originaram e entre estes, sobretudo, as políticas de ajustamento estrutural do FMI/BM, depois do Consenso de Washington ao serviço dos grandes interesses economico-financeiros...
Numa entrevista recentemente publicada no jornal O Estado de S. Paulo sobre a Conferência Rio+20, Mike Davis expõe o seu ponto de vista além Atlântico, num entretecido de ideias discutíveis mas importantes sobre a crise europeia, enquadrada na crise global do capitalismo:
"A crise europeia transformou-se numa autópsia pública da globalização na sua forma mais radical. Ela mostrou a dificuldade de se superar desequilíbrios estruturais entre grandes economias - mesmo com as mais ousadas tentativas de regulação supranacional da crise(*). Doutores do FMI, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu (BCE) alertaram que a prosperidade europeia só pode ser salva por uma integração fiscal e política drástica, pela criação de um genuíno "Estados Unidos da Europa". Mas isso é inviabilizado pela atual vantagem económica comparativa alemã em produtividade e custos do trabalho. De um lado, os contribuintes alemães não aceitam sustentar o bem-estar social de gregos e espanhóis. De outro, seria uma humilhação e rendição das soberanias nacionais em troca de benefícios hipotéticos após longos ajustes de austeridade. Os chamados fundos de resgate oferecidos são basicamente um programa para evitar prejuízos aos bancos do norte. Na Grécia, por exemplo, os empréstimos do BCE foram basicamente usados para transferir o risco de bancos estrangeiros para a Grécia e contribuintes europeus. Na Irlanda e na Espanha, transformaram perdas bancárias em dívida pública. Uma vez que os grandes bancos têm sempre prioridade nos botes salva-vidas, enquanto mulheres e crianças ficam para o fim, austeridade e dívida vão continuar numa espiral fora de controle. Essa política está condenando os EUA e a Europa a uma estagnação que já faz lembrar a "década perdida" da América Latina nos anos 1980. Poderão a China e os outros Brics continuar a crescer no meio dessa depressão? Pergunte aos bancos chineses...".
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(*) Não se pode esperar que esta crise da sociedade de mercado seja resolvida por quem está do lado do problema e não do lado da solução: os bancos que a provocaram, desviando dinheiro da economia para uma monstruosa especulação financeira, graças à porta aberta em 1999 pelo Gramm-Leach Act (assinado pelo presidente democrata Clinton) que removeu a fronteira entre os bancos de investimento e os comerciais americanos estabelecida no Glass-Steagall Act de 1933, permitindo aos bancos comerciais negociar com produtos derivados e seguros e actuar como brokers... o que aliás já vinha acontecendo desde os anos oitenta.
Confrontados com as consequências que fizeram os bancos? Remeteram os custos da sua actuação irresponsável para os contribuintes e voltaram à sua engenharia financeira. O dinheiro das injecções financeiras que entretanto receberam ou foi arrecadado ou foi para a especulação de curto prazo nos mercados financeiros, para realizar ganhos imediatos, em vez ir para a economia.
As praticas fraudulentas destes banksters continuam em grande escala como na recente manipulação da taxa de referência Libor. Londres tornou-se no "cowboy do capital financeiro" da economia global, no dizer de Jacques Rasmus.
Tudo isto destroi a economia e desacredita a grande banca aos olhos de todos nós, minando algo que é basilar nas relações humanas e designadamente no sistema financeiro: a confiança... o que não é surpreendente numa sociedade mandada pelo mercado livre... livre do freio moral.
Estamos então a assistir à autodestruíção do capitalismo como pensa Slavoj Zizek? Longe disso, responde Noam Chomsky que, quanto à Europa, admite mesmo que a resolução da crise financeira está a ser deliberadamente retardada tendo em vista minar o contrato social europeu. Para Chomsky, "isto é basicamente um caso de guerra de classes" que os plutocratas estão longe de perder.
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