Reflexões Planetárias

Thursday, August 23, 2012

País canalha

No virar do seculo XIX para o século XX, o nosso país enredava-se num ciclo vicioso que o Rei D. Carlos, homem sensível e culto, caracterizou nesta formula lapidar: "Um país de bananas governado por sacanas."
Alguns homens de letras e artes denunciaram e se insurgiram então contra a anomia imperante. Um deles foi Guerra Junqueiro que caracterizou assim o país canalha: "Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem de onde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta (…)
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro (…)"

A tecnologia agora é outra, há talvez menos burros de carga e noras, mas continuamos a andar à nora, mudaram-se as moscas mas... a canalhice é a mesma! Ou melhor, o ciclo vicioso do acanalhamento é cada vez maior. Um ciclo vicioso é, em termos da teoria de sistemas, uma regulação em tendência : neste caso, o abananamento favorece a sacanice e a sacanice fomenta o abananamento.
Tal como num ferro de engomar que, avariando-se o termostato, vai sobreaquecendo até colapsar.
A não ser que volte a funcionar o "termostato" que nos sistemas sociais tradicionais é o travão moral. O que não se vislumbra num país adormecido vai para quinhentos anos e numa Europa sem nobreza de espírito que não se pauta por valores morais, navegando ao sabor dos interesses sem nenhum projecto colectivo mobilizador.
A situação de impasse é cada vez mais insustentavel. Mas, a par do mal-estar e do medo do que virá a seguir, cresce a indignação e fervilham por todo o mundo muitos projectos alternativos mobilizadores que se vão entretecendo. O futuro não tem que ser distópico e não deixa de estar nas mãos de quem faz por ele.

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