A arte de Rodin
No fim de um luminoso dia de Maio do ano de 1910, Paul Gsell passeava com Auguste Rodin pelo bosque penumbroso duma "encantadora colina" sobranceira à aldeia de Val-Fleury, no cantão de Meudon. Foi então que lhe confiou o desejo de colher ao vivo as suas ideias sobre arte.
- "Deveras original!", responde Rodin, "A arte então ainda vos interessa. Uma preocupação que já não é do nosso tempo... A utilidade é o que se procura na vida moderna... A arte está morta... A arte é a contemplação. É o prazer do espírito que penetra na natureza e adivinha o espirito que a anima... hoje a humanidade crê poder passar sem a arte."
Paul Gsell acabou mesmo por levar o seu desejo por diante e hoje dispomos de um repositório riquíssimo de ideias luminosas, concentradas no livrinho que Gzell designou simplesmente por "L´Art". A arte de Rodin!(*)
Ideias preciosas para ler em profundidade as suas obras... e as de outros artistas "pela mão" de Rodin, o que não é coisa pouca!
Eis um exemplo que me serve para salientar no final uma das ideias que mais me inpressionou.
Certo dia Rodin desafiou Gsell para ir ao Louvre rever os bustos de Houdon. Param junto da ecultura de Voltaire e logo exclama Rodin:
"Que maravilha... é a personificação da malícia. O olhar ligeiramente obliquo parece espiar algum adversário. O nariz ponteagudo parece de uma raposa: como que pronto a retorcer-se para farejar, de um lado para o outro, os abusos e os ridículos; vê-se palpitar. E a boca: que obra prima! Enquadrada por dois sulcos de ironia. Tem o ar de mastigar não sei que sarcasmo.. Uma velha comadre muito manhosa, eis a impressão produzida por este Voltaire, ao mesmo tempo tão vivo, tão débil e tão pouco masculino."
Eis o espírito que anima a obra de Houdon como a de Rodin! Algo que vem de dentro e aflora à superficie no modelado das formas. Como nas estátuas gregas que Rodin tanto admirava comparando-as com a arte académica: "Enquanto que a vida anima e aquece os músculos palpitantes das estátuas gregas, os bonecos inconsistentes da arte académica estão como que gelados pela morte". E, mais adiante, desfere esta recomendação: "Quando esculpires, não vejas nunca as formas em superfície, mas sempre em profundidade... Não consideres uma superfície senão como o afloramento de um volume, como a exterioridade mais ou menos corpulenta que avança para ti. É assim que alcanças a ciência da modelação."
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Imagem: Pormenor da escultura de Voltaire, modelada em 1781 por Jean-Antoine Houdon. Mármore, h=138cm. Faz parte da colecção do Museu Hermitage de S. Petersburgo.
(*)Tendo eu tido a sorte de visitar a que foi porventura a mais completa exposição das obras de Rodin, organizada pela Royal Academy of Arts de Londres, patente ao público no último trimestre de 2006, vim encontrar neste livrinho que agora me caiu nas mãos a luminosa explicação do encantamento que ela me provocou.
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