Reflexões Planetárias

Friday, March 25, 2011

Arquitectura e Economia

Uma arquitectura orientada para o bem comum não pode deixar de estar atenta não só ás necessidades sociais mas também aos seus impactes ambientais.
Uma arquitectura orientada para o bem comum é assim incompatível com o primado da "economia de mercado" que reduz a terra a uma variável abstrata de uma equação mercantil.


Concretizando, é imcompatível com a especulação imobiliária.
O negócio com as casas prejudicou-as como lugares de estabilidade, convertendo-as em veículos de instabilidade social. Empréstimos hipotecários fraudulentos, empacotados em produtos financeiros tóxicos e pandémicos, sob o olhar permissivo dos reguladores e, para mais, branqueados pela grande banca, levaram à crise dos "subprime" que está na raiz da crise financeira que precipitou a actual recessão económica, abalando o projecto de vida de milhões de pessoas e suas comunidades.
O negócio de terrenos agravou problemas sociais e ambientais, entre os quais se conta a dependência estrutural dos combustíveis fósseis associada à difusão urbana
Entre nós, a urbanização entregue à especulação imobiliária criou um gravíssimo problema patrimonial.
É muito fácil dizer que se deve apostar na reabilitação do património. Mas que fazer de maior parte desse património imobiliário que não são velhas casas em lugares acolhedores que apetece recuperar, mas imóveis com menos de cinquenta anos, prédios inqualificáveis, situados em urbanizações incaracterísticas e "autodependentes" que não foram pensadas para ter vida própria, nem para ser servidas por redes de transportes públicos e demais infraestruturas económica e ecologicamente viáveis?
Urbanizações que não foram pensadas tendo em conta as aptidões dos sitios e que por isso estão em leitos de cheia e outras zonas de risco, bem como delapidam o nosso escasso "fundo de fertilidade" e a "estrutura ecológica"!
Um processo desconexo feito de "urbanizações" com régua e esquadro que, na caricatura do arquitecto Malcolm Wells, prima mais pela destruição do que pela construção... de um futuro melhor para todos nós.
Ah, se tudo isto não passasse de um filme que correu mal...
Bastava passar o filme às arrecuas, como em Slaughterhouse 5, em que Kurt Vonnegut destroçado pela atrocidade de Dresden (1), põe Billy Pilgrim a rodar o filme de guerra ao contrário, fazendo reverdecer os campos e regressar as bombas aos bombardeiros.
Vamos precisar de muita sensibilidade e muito engenho para dar a volta a este malfadado texto. Um estimulante desafio que, no entanto, só pode ser respondido num processo de planeamento participado.
Mas este planeamento participado implica a revisão da lei de solos, para que o estado, representando o bem comum, recupere a capacidade de fazer cidade, a qual lhe foi retirada por Marcelo Caetano em 1965, com a privatização do loteamento dos terrenos estabelecida no Decreto-Lei 46673 que abriu caminho à especulação imobiliária, por via da apropriação privada das mais-valias urbanísticas!
Confrontamo-nos aqui com o busílis da questão: o fundamentalismo da "sociedade de mercado" que domina hoje a conjuntura internacional!
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(1) Em Dezembro de 1944, Vonnegut foi feito prisioneiro de guerra pelos alemães. Em Slaughterhouse 5, ele descreve como sofreu, meses depois, o terrível bombardeamento de Dresden, em que a Florença do Norte, uma bela cidade sem interesse militar, foi arrasada barbaramente pela Royal Air Force a mando de Churchill. Morreram centenas de milhares de pessoas inocentes. Mais do que em Hiroshima e Nagasaki juntas, como ele diz. Vonnegut escapou vivo por um triz ao "friendly fire", tendo andado a enterrar os mortos depois!

Fontes das imagens:
- http://www.salisburync.gov/Pages/index.aspx
- Malcolm Wells (1981), "Gentle Architecture". McGraw-Hill Book Co, NY

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