Reflexões Planetárias

Tuesday, September 18, 2007

Cultura e natureza - Reflexões pós-modernas

As relações entre o homem e a natureza evoluíram ao longo da história da humanidade, desde as sociedades primitivas, em que avultava a necessidade de lutar contra as adversidades do meio natural.

O homem respondeu à adversidade com a vontade de dominar a natureza selvagem, tão bem traduzida na Genesis: "Crescei e multiplicai-vos e dominai sobre os peixes do mar, as aves do ar e tudo o que rasteja sobre a terra"...

Progressivamente, o homem foi domesticando a natureza, construindo uma proximidade familiar nos sítios mais favoráveis, fazendo recuar o meio ignoto e hostil.

Com a emergência das grandes civilizações, o universo construido e os seus efeitos agigantam-se e, na civilização maquinista, ameaçam o próprio homem. Cresce a adversidade da natureza, agora por abuso do homem.

Com mais do mesmo, o sucesso poder-se-á converter mais uma vez num colapso civilizacional que, desta vez, será global.

A história mostra que o homem, nas sociedades complexas como a nossa, não é tao robusto como aparenta. Elas foram colapsando umas a seguir as outras e... "de cada vez que a história se repete o preço sobe!", como diz o grafiti de Ronald Wright (Breve História do Progresso, Dom Quixote 2004).

Num jogo de parada e resposta entre os problemas que colocam e a capacidade de os resolver, as grandes civilizações piramidais são cada vez mais dificeis de governar -diz o aforismo, grande nau grande tormenta- tornando-se mais arriscadas e vulneráveis do que as pequenas comunidades tradicionais que lhes sobrevivem.

Aí temos o futuro distópico de Coetze, em "Waiting for the barbarians"... se não metermos, a tempo, travões à máquina do progresso, vencendo o atavismo da dominação e procurando cultivar relações mais próximas com a natureza. A nossa própria natureza.

O Regent's Canal

O passeio a pé ao longo da margem direita do Regent's Canal é uma experiência surpreendente, para o noviço nas andanças de Londres!
É perfeita a entrada junto à ponte pedonal de Primerose, no seguimento do caminho que corre na orla do arvoredo onde se abriga o Jardim Zoológico de Regent´s Park.
Descendo ao cais, entra-se num outro mundo. Sente-se logo o encaixe do canal talhado com economia.
O cais bordeja a margem norte ao rés da água e é dobrado por um trilho cautelosamente metido no coberto vegetal a "meia encosta".
A sua largura comedida e variavel favorece o passeio solitario, mas deixa passar bem pequenos grupos a pé ou de bicicleta que ali vão por prazer ou conveniência.


De onde a onde, um banco ou dois, abrigados da passagem pelo pilar duma ponte ou na sobrelargura de um recanto , convidam a descançar disfrutando o local, a sós ou à conversa com amigos e conhecidos de ocasião.


Caminha-se bem no piso plano e firme, feito de simples agregados com cimento naturalizados pela acção do tempo. A combinação de moldados - placas ou pequenos blocos em mosaico - e pavimentos contínuos, cria variedade e demarca o caminho da passagem que segue um percurso sinuoso, para contornar um pilar ou, nos trechos mais largos, afastando-se da margem do cais para se poder estar tranquilamente junto à água.
A margem sul mostra-se frondosa, pontuada por mansões neoclássicas.


"Boat people" desloca-se lentamente ao longo do "rio" em longos habitáculos volantes.



...E povoa, aqui e ali, a estreita margem com a sua parafrenália de coisas e jardins.


Mais bucólico nas imediações do Regent's Park, o canal torna-se mais construído e linear, à medida que entra na malha edificada de Londres, de que se vai sentindo cada vez mais o frémito mecânico, lá em cima, nas pontes que o sobrepassam, até ir ao encontro dela na festa de Little Venice.


...Antes de se perder no sopé da falésia construida de Paddington, em modernas esplanadas onde "se socialisa" a fauna engravatada dos escritórios de metal e vidro.


Que contraste com o romântico "Café La Ville", em ponte sobre o canal que nos brinda com o ambiente de bairro e a deliciosa vista axial e sobranceira ao "rio" que ansiavamos!


A Londres romântica vivifica, a seu modo, a Londres maquinista.
E, o mais surpreendente, é que ela nasce da Londres industrial, pois que aproveita o velho canal de transporte de mercadorias que ligava ás antigas docas londrinas.
Já então os jardins orgânicos "à inglesa" mimetizavam a natureza, mas aqui, a imitação da natureza, é tecida sobre uma construção artificial que persiste: no canal alimentado pelo seu reservatório e nas barcaças feitas à sua medida.
Um entretecido de natureza e artificialidade!
No dia anterior tinhamos visitado o centro da Cidade Nova de Milton Keynes.
A comparação com a experiência do Regent's Canal, tornou evidente a riqueza intrínseca das cidades com história... se ela for cultivada!
É a sua riqueza irreprodutível e inestimável! É um crime não a estimar!
Na cidade de Londres, a memória é cultivada na conservação dos velhos burgos que nela se integram, na vivência de ruas e praças pedonalizadas, em debates sobre a cidade, em guias acessíveis, recheados de minuciosos pormenores históricos, vivamente contados por intelectuais e artistas.
Foi um desses guias que me levou a visitar o Regent´s Canal.
E fui recompensado!