Reflexões Planetárias

Wednesday, November 28, 2007

A arquitectura e os materiais

As nossas escolas de arquitectura, de matriz napoleónica, nunca deram uma atenção mais do que acessória à materialização das formas, aos materiais de construção... não fossem os ventos de certo funcionalismo moderno que circulavam fortes nos anos 50-60, mas em circuito quase fechado entre os alunos; mais aberto na escola do Porto. Não me parece que a situação se tenha alterado determinantemente de então para cá.

Surpreende-me que tal omissão tenha acontecido não só em Portugal mas na Europa, com altos e baixos (mais baixos do que altos) e honrosas excepções, fazendo fé no artigo Material Assets publicado em Agosto de 2004, no número 38 da revista The Architectural Review que reencontrei e vou transcrever parcialmente na lingua original, para não perder o seu fleumático humor:

"From time to time materials and materiality are of little overt importance in architecture. In the second half of the eighteenth century, for example, architects' drawings rarely indicated materials to be used (though they were presumably specified elsewere). Even window glazing bars, elements that do so much to give the detailed scale of palladian and neoclassical architecture, were usually omitted from elevation drawings. Sections rarely show what buildings are made of. Details (of the outside at least) are rare. From the drawings, buildings could be made of anything from icing sugar to mud."

"Of course they were not, and most of them have great material presence. Materials where usually chosen on economic grounds."
"Transport was a major element in material costs so, for most buildings, local sourcing materials was vital, from the very site itself as possible. So there was an often unarticulated agreement between builders and architects (where they were involved) to use tried traditional techniques. Hence the congruity of scale, texture, proportion and form of most buildings in traditional European villages, derived from native sources as different as the timber of mountain regions to the clays of flood plains. The only exceptions were grand buildings for the rich, for religion or community. Though these were often larger developments of the vernacular, sometimes huge components were transported for long distances to aid grandeur. Technologies used to transport such big objects were very similar to those used by the ancients, who from Stonehenge to the Roman Empire had learned how to haul huge pieces of stone over astonishing distances(...)"

"By the middle of the nineteenth century, new forms of mechanical production and bulk transport (canals then railways) radically altered the availability of materials(...) "In response, the theory and practice of architecture changed radically. By the mid-nineteeneth century, drawings showed every flashing and drip, pratically every nail(...)"

"Many early Moderns were happy to imitate the simplicity of poured concrete planes in masonry and stucco; like the Neoclassicists a century earlier, they were concerned to achieve forms and spaces with not much regard for the materials from which they were made. Before the Second World War, Le Corbusier was at least partly a member of this group (his later conversion to expressed poured concrete came after examination of the slave made structures of the Nazi Atlantic Wall).

At the same time Aalto, the Neo-Goth was exploring the placemaking potential of brick, bronze and wood in applications old and new (1).

Today the distinction continues. In its fine posthumous analysis of the nature of design, Michael Brawne declared that "when I am considering the design of a building, I need at the outset(...) to be concerned with the selection of materials(...) especially for those(...) which will have an influence on spacial organization and appearance(...) This is unlike, say, the choice of damp-proof course"...
Much everyday architecture (at least on the European continent) is created out of stucco on insulated blockwork walls. They could be made of anything, anywhere and the only means of giving them emphatic or tectonic qualities is by carefully introducing reassuring elements in the parts you can touch. Much high profile architecture is made by stars who often seem to be indifferent to what their work is made of, as long as it looks arresting on the pages of glossy magazines."

Encarando a arquitectura como uma abstração geométrica, os "arquitectos euclidianos" como lhes chamou Richard Neutra, deixam os materiais ao critério dos construtores, ou entram com eles só porque interferem na aparência das formas, sobretudo na sua aparência visual.
Ora como observa mais adiante o autor do artigo transcrito, "One of the reasons that the nature of materials affects us all is because they evoke atavistic memories through senses other than vision: touch, smell, and even taste(...)". Vamos mais longe dizendo que os materiais contribuem decisivamente para a qualidade térmica, acústica, multisensorial, do ambiente interior dos edifícios onde, cada vez mais, vivemos o nosso dia a dia.
São pois, não só razões de ordem prática, construtiva e utilitária, mas também qualidades de ordem sensível que ficam arredadas do desenho de arquitectura que marginaliza a materialização das formas, a definição dos materiais de construção, ou se limita aos acabamentos, olhando apenas ao seu desempenho visual e táctil.

"Over the last century building materials have become increasingly stiff in relationship to weight(...) Thinner and lighter(...) components in which what you can see and touch is a thin skin of back-up substances(...)"
Pois é! Por este andar o arquitecto irá deixando que os edificios se desmaterializem e sejam cada vez mais dependentes das máquinas para serem ao menos habitáveis.


As actuais preocupações ambientais que decorrem em grande parte do abuso das máquinas, vêm obrigar a uma definição mais criteriosa e atempada dos acabamentos, bem como dos materiais escondidos que asseguram a qualidade da construção e interferem também na nossa saúde e no nosso bem estar.

(1) JUhani Pallasmaa em The Thinking Hand tece os seguintes comentários que traduzo livremente, sobre a Casa Experimental de Muuratsalo, vista do pátio na imagem junta:
Uma experiência a nível conceptual e filosófico, bem como na aplicação dos materiais e nos detalhes, é uma casa de verão construida em tijolo na paisagem lacustre finlandesa. Numa região em que prevalece a madeira patente na tipologia construtiva, ela reflete (não obstante) o imaginário de uma casa de pátio mediterrânea.
O projecto também contem diversas experiências sobre a aplicação do tijolo e de telhas cerâmicas, fundações assentes na rocha natural... aquecimento solar(?), e sobre os "efeitos estéticos ou a resistência de plantas decorativas e musgos".

Sunday, November 25, 2007

A sobrevivência da arquitectura

Survival trough design, 1954; para Richard Neutra estava então em causa o papel da arquitectura na sobrevivência.
Agora, meio século depois, põe-se em causa a sobrevivência da arquitectura!
Na resposta a este desafio que considera real, Kenneth Frampton chamou a atenção em 1995* para algo de importante que não tem vindo a ser firmemente assumido pela classe dos arquitectos:
O controlo da arquitectura não é possível se o arquitecto se centrar apenas no clássico projecto de arquitectura, consignado nas Instruções para o Cálculo de Honorários.
A sua intervenção tem que caminhar vigorosamente não só para jusante, na assistência ás obras e no acompanhamento da utilização, mas também para montante, até ao desenho dos materiais e equipamentos.
Isto não é novidade na arquitectura moderna do século vinte, desde a Bauhaus em que emergiu o design, hoje institucionalizado na nossa sociedade.
Mesmo em Portugal, arquitectos e designers modernos como Conceição Silva, Henrique Albino, Daciano Costa ou Senna da Silva, fizeram-no de forma consequente, com determinação.
Mas é esta determinação consequente e portanto articulada que falta nestes tempos pós-modernos, em que reina a insegurança e a indeterminação, perdendo-se os arquitectos em projectos pessoais, na mira da fama e do proveito, ou na simples luta pela sobrevivência individual.
Estando em causa a sobrevivência da arquitectura, as Escolas de Arquitectura e a Ordem dos Arquitectos têm que assumir um papel institucional decisivo na promoção do alargamento da intervenção do arquitecto para jusante e para montante do clássico projecto de arquitectura, bem como no apoio aos que o procuram fazer na teoria e na prática.
Oxalá esta seja uma visão pessimista de quem não está bem informado.
Se o não for... de nada valerão iniciativas administrativas aparentemente decisivas como a revogação do famoso Dec. Lei 73/73!

* Pode ler-se no Epílogo da Introdução ao Estudo da Cultura Tectónica, obra infelizmente mal traduzida na edição parcial subscrita pela então Associação dos Arquitectos Portugueses e publicada em 1998, por alturas em que Kenneth Frampton esteve entre nós.

Friday, November 23, 2007

Para uma história do (in)conforto em Portugal II

Retomo a reflexão sobre a história do (in)conforto em Portugal, no convencimento de que a compreensão do passado alicerça o conhecimento do presente e este a construção do futuro.
É sobre o tradicional inconforto que pretendo insistir, partindo da preciosa síntese sobre a varanda beirã que encontramos na Arquitectura Popular em Portugal e que resulta do trabalho de campo da equipa da Zona 3 que incluía o motor do inquérito, Francisco Keil do Amaral, bem como Huertas Lobo e João José Malato:

“Expor-se aos raios do sol, ao afago do seu calor sem preço, constitui(...)a melhor das defesas, e as varandas bem orientadas são os elementos arquitectónicos mais adequados ao efeito, que o beirão concebeu e constroi(...)
"Sempre que possível orientam-nas a sul-poente. É o sector que mais horas de sol quente recebe por dia, no Inverno, e também o mais abrigado dos ventos dominantes. E se o casario vizinho não permite a exposição usual, orientam-nas para o sul ou sul-nascente, ou nascente, mas nunca para o norte."
"Nestes espaços que participam simultaneamente do interior e do exterior das casas, costura-se, faz-se meia, secam-se as roupas lavadas e alguns frutos, guardam-se abóboras, passa-se o tempo e espera-se a morte, quando a idade e a invalidez já não deixam participar nas tarefas úteis(...)"
"Se os donos das casas têm algumas posses e um desejo correspondente de diminuir o desconforto habitual, equipam-nas com envidraçados, por onde o sol penetra mas os ventos não entram(...)"
"Acabam por se tornar as dependências de maior permanência e utilidade – as mais adequadas portanto ás condições climatéricas(...)
Atingem por vezes dimensões enormes e impõem-se pela extensão e pelo ritmo da caixilharia(...)"
"A sua generalização constitui, porventura, a maior contribuição do século XIX para a valorização da arquitectura regional beirã.”

No que respeita ao conforto térmico, a contribuição destas varandas envidraçadas terá sido relativa e localizada, o que já não era pouco! Faltava-lhe o complemento dos isolamentos e vedações de que hoje dispomos para reduzir as perdas de calor, bem como o conhecimento sobre o comportamento dos edifícios que era então muito incoerente.(*)

Esta incoerência nas relações da arquitectura com o clima perturba bastante a equipa de Keil do Amaral que é muito crítica na síntese que faz sobre a adaptação climática da casa beirã, ao dizer, por exemplo que "Certos cuidados são a tal ponto neutralizados por aparentes descuidos, que se chega a recear atribuir-lhes propósitos específicos, raciocinados."
Parece-me que Keil do Amaral esperava mais da arquitectura popular, quando fez o apelo para “Uma Iniciativa Necessária”, publicado em 1947 no nº 14 da velha revista Arquitectura, no qual lança a ideia do inquérito à arquitectura popular que virá a ser concretizado e dará lugar à “Arquitectura Popular em Portugal”.

Meio século antes, também Antero de Figueiredo se mostrara crítico nas suas "Recordações e viagens", acerca da adaptação climática da casa minhota ao falar sobre a varanda de "Uma casa minhota" em comparação com o que acontecia em França:
"Afora esta expressão de nobreza, a varanda exposta ao sul, que em França se chamaria um grande balcão, uma galeria e que, a bem dizer, é um terraço coberto, tem ainda outra função e esta capital como higiene: é um depósito de sol. No Inverno, é o lugar mais quente da casa e onde se pode trabalhar ao ar livre; e nas tardes curtas de Dezembro, quando o sol anda baixo, ele entra rasteiro até ao fundo dos quartos, aquece-os, areja-os e alegra-os. Pois este tipo de casa que no norte de Portugal está inteiramente abandonado, é na França e na Suíça a última palavra da construção: não há casa, rica ou pobre que não tenha o seu terraço, a sua varanda ou simples balcão exposto ao sul quente, luminoso e sadio, para onde o homem do norte se vira como planta para a luz."

Antero de Figueiredo descreve bem o comportamento solar da varanda no Inverno, mas não toca nas varandas envidraçadas que, aliás, são mais a excepção do que a regra na recolha feita pela equipa do Arq. Fernando Távora que tratou da zona 1 do Inquérito que temos vindo a citar.
Antero exalta a França e a Suíça, mas ignora a formidável mancha de varandas envidraçadas que estava ali tão próxima do Minho, na Galiza e em que se impunham já as Galerias da Mariña, na Coruña como a sua mais bela expressão urbana que transparece na imagem.


Antero demora-se no comportamento da varanda exposta a sul como forma de ganhar o sol no Inverno, mas não considera a vantagem desta exposição no Verão, uma dupla qualidade reconhecida há 2500 anos nas casas tipo megaron com o pórtico aberto a sul. Dizia Sócrates a Aristipe, segundo Xenofonte no Memorabilia: "Não é um prazer ter uma casa fresca no Verão e quente no Inverno? E não é isto verdadeiro para as casas expostas a sul porque os raios solares penetram fundo nas casas no Inverno, enquanto que no Verão passam por cima das nossas cabeças e dos telhados?".

As incoerências de Antero e as que ele e outros apontam na arquitectura popular levam-nos de novo ao entendimento que Orlando Ribeiro tinha das relações entre a nossa tradicional frugalidade térmica, as nossas limitações tecnicas e a permissividade do nosso clima:
“Suportável na rua e no campo, agradável ao sol abrigado, o Inverno é duro no interior das habitações, onde o frio se acumula e permanece: mal aquecidas por falta de lenha, mas também porque a raridade do frio intenso não torna indispensável esta defesa. Assim, enquanto o Inverno na Europa média convida a uma intimidade no interior, o frio vence-se aqui apanhando sol ou aquecendo por um rápido passeio a pé”."
Há pobreza de meios técnicos e económicos sem dúvida.
Mas quanto ás limitações económicas temos que recordar o que comentavam observadores estranjeiros que passaram por Portugal como o aventureiro milanez Giuzeppe Gorani que por cá passou em meados do século XVIII. Nas casas que visitou e que não deveriam ser modestas, "não havia mais chaminés do que a da cozinha. No Inverno, um brazeiro e um bom capote substituíam os fogões de parede.”

... O que nos leva a pensar que há mais do que pobreza de meios na nossa frugalidade térmica. Uma espécie de resignação religiosa perante Deus e as forças da Natureza, conduzia os nossos antepassados a sofrer pacificamente as inclemências do tempo, com aquela humildade chã exaltada nos frades capuchinhos, mergulhados no frio e na humidade telúrica da encosta norte da serra de Sintra, confortados apenas pela cortiça e pelo calor da fé. Com esta imagem se despedem de nós.


Estou a dizer que o conforto assenta em bases materiais, mas que as aderências psíquicas e culturais, ontem como hoje, são decisivas.

(*) A frugalidade térmica é patente e bem compreensivel à luz dos conhecimentos tecnico-científicos hoje integrados na arquitectura bioclimática:
Estamos no Inverno. As perdas de calor por infiltração pelas frinchas das janelas, do soalho e pela cobertura, amiúde de telha vã, e por condução também pelas paredes, porventura espessas mas feitas de um material muito condutor com o granito, não poderiam ser compensadas pelos ganhos solares de uma boa varanda envidraçada virada a sul que também não chegariam para aquecer sensivelmente a grande massa térmica das paredes. Afora o aconchego da varanda nas horas de sol, a casa tenderia a aproximar-se da média das temperaturas exteriores, mais de 10ºC abaixo do que hoje se considera uma temperatura minimamente confortável! Apenas a palha no sotão, o calor das pessoas em quartos exíguos, o bafo do gado na cave e o fogo na lareira podiam atenuar o inconforto. O fogo, mais por efeito da radiação directa para quem se metia lá dentro, protegido pelas costas do escano da corrente de ar frio puxado pela fuga. Ou então prescindia-se da fuga para beneficiar do ar enfumarado mas quente que se espalhava pela cozinha antes de escapar pela cobertura enegrecendo asnas, varas e ripado. Entre a qualidade do ar e o calor, optava-se pelo calor.

Sunday, November 18, 2007

Estoril Sol Residence

"International style" na Costa do Estoril!


Alvar Aalto escreveu em 1958 estas amargas palavras sobre o estilo moderno internacional que transmitem, no essencial, o que sinto perante esta imagem distante da intervenção geométrica do arq. Gonçalo Byrne na Costa do Estoril:

"O horóscopo da arquitectura de hoje é pessimista - não tem uma leitura agradável.
Paralelipípedos artificiais de vidro e metal, de grandes dimensões - o desumano transformado em elegante - produzem nas nossas cidades uma forma de construção irreversível. O caminho de regresso está cortado."
(Em vez de um artigo, Arkkitehti, 1958).

Regresso? Regresso a uma sociedade mais humana, regresso à escala humana, ao "homenzinho" como dizia Alvar Aalto. Porque "o homem foi esquecido"... e... "a verdadeira arquitectura encontra-se apenas onde o "homenzinho" for o centro, com as suas comédias e a suas tragédias". (Em vez de um artigo, Arkkitehti, 1958).

Sim! Por este caminho o regresso está cortado.
Nestes contentores gigantes de luxo que se medem com o mar e esmagam a vizinhança apesar do verde público de que se apropriam, a arte e o engenho não estão ao serviço do "homenzinho", mas de uma classe internacional de Novos-Deuses que gravita nas imediações do vértice da pirâmide social moderna.
Para eles o "International Style"!
Eles têm que ter os seus "não-lugares" cenográficos, os seus rituais, os seus adereços, as suas mulheres e outros sinais de "status" ou de riqueza exterior nesta nossa "sociedade de consumo conspícuo".
"Noblesse oblige"!

Actualização (4 de Julho de 2009)
Passei há dias pelo local. É claro que a insignificante petiçãozinha contra o projecto de nada serviu, face a outros valores mais altos que se alevantam. E de que maneira! O que vi de cima, em maquete, vejo agora de baixo, em obra.
E é obra! Sinto-me como Gulliver passando do país e de Lilliput para o de Brobdingnag. Sinto-me esmagado!
E interrogo-me. Será que o arquitecto Gonçalo Byrne se sente intimamente assustado e arrependido? Ou, pelo contrário se sente orgulhoso e realizado?
Noto ainda, com pena que os lugares para onde apontavam os links das mulheres e da riqueza, estejam agora vazios. Eram tão incisivos!

Actualização (29 de Abril de 2013)
Os contentores de luxo de Byrne seguem o seu caminho:
"Nos últimos anos, o novo-riquismo angolano tornou-se lendário em Portugal. Dirigentes angolanos, suas famílias e associados de negócios têm estado a adquirir, nesta parte da península ibérica, alguns dos principais símbolos da opulência local. Caso paradigmático é o do complexo residencial de luxo Estoril Sol Residence, que comporta três edifícios de uma arquitectura singular e controversa, em Estoril, na orla marítima de Lisboa. O complexo tem dos apartamentos mais caros de Portugal, que variam do milhão a cerca de cinco milhões de euros por unidade. O complexo é bem conhecido como o “prédio dos angolanos”, por serem estes os principais clientes do referido projecto imobiliário, inaugurado há dois anos, com a titularidade de perto de 30 apartamentos..."
Escreveu Rafael Morais, em 26 de Julho de 2012, no Jornal "Maka de Angola". O artigo completo pode ser lido aqui

Saturday, November 17, 2007

"Form follows function" segundo Alvar Aalto

"Foi naquele trabalho que pela primeira vez contactei com a tragédia humana. Refiro-me ao Sanatório de Tuberculose de Paimio.
Quando me encarreguei do projecto encontrava-me também doente. Tive então a oportunidade de fazer algumas experiências e aperceber-me realmente do sentimento de estar doente.
Irritou-me o facto de estar permanentemente na posição horizontal e, a primeira coisa que reparei, foi que os tectos e as paredes eram concebidos para pessoas que passam o dia de pé e não para quem tem que estar sempre na cama.
Tal como os insectos à volta da luz, os meus olhos eram atraídos constantemente pela luz eléctrica.
Um quarto que não é concebido especificamente para pessoas acamadas não favorece nem equilíbrio nem paz interior.
Portanto, tentei desenhar quartos para pacientes que proporcionassem um ambiente tranquilo ás pessoas obrigadas a permanecer deitadas.
Por exemplo, não utilizei a ventilação artificial pois produz uma corrente de ar na cabeça. Em vez disso, concebi um sistema que permite a ventilação natural pelas janelas."
Neste texto da palestra Entre o humanismo e o materialismo que proferiu na Conferência da Associação dos Arquitectos de Viena em 1955, Alvar Aalto aborda as relações entre a arquitectura e o homem, carreando para a arquitectura, com grande sensibilidade, conhecimentos científicos sobre psico-fisiologia humana.


O Sanatório de Paimio foi projectado por Alvar Aalto e construído entre 1929 e 1933. A figura inclui a imagem de um quarto-tipo e desenhos do projecto. Uma disposição "funcional" que se tornou típica nos hospitais.
Simples não é? Simples mas não simplista!
Lá está o tecto que, por razões de conforto, não é branco, salvo na zona de reflexão da luz artificial indirecta. Na imagem inferior da figura vê-se um corte do lavatório do quarto, cuja forma foi estudada para atenuar a pancada da água, reduzindo os salpicos e o ruído.
Exposta ao quadrante sul, a parede envidraçada da altura das camas até ao tecto, possibilita o acesso à luz natural até ao fundo do quarto e o franco contacto visual com o exterior ao paciente acamado. Luz e vistas reguladas por cortinas interiores que também podem atenuar o efeito de parede fria durante a noite ou nos dias frios sem sol.

Conforme se vê na figura acima, as janelas são duplas, são protegidas por estores exteriores e têm bandeiras que, segundo creio, permitem a ventilação natural evitando a tal "corrente de ar na cabeça".

Thursday, November 15, 2007

“Form follows funtion”?

“ He could now, undisturbed, start on the course of practical experimentation he long had in mind, which was to make an architecture that fitted its functions – a realistic architecture based on well defined utilitarian needs – that all practical demands of utility should paramount as basis of planning and design; that no architectural dictum, or superstition, or habit, should stand in the way.”
...“This meant in his courageous mind that he would put to the test a formula he had evolved, trough long contemplation of living things, namely that form follows function , which would mean, in practice, that architecture might again become a living art”...
Neste passo da sua “autobiografia de uma ideia” Louis Sullivan, colocando-se na terceira pessoa de um arquitecto que reflete sobre a arquitectura, retoma a sua formula lapidar publicada em 1896, a que diz ter chegado por via da observação dos seres vivos.
Uma ideia que gravitava na atmosfera das artes de então. Um século antes, o padre jesuíta Carlo Lodoli defendia que a arquitectura se devia basear em considerações funcionais ou racionais. Na primeira metade de oitocentos os escultor neoclássico Horatio Greenough criticava o historicismo contemporâneo e defendia um programa de reformas em que o conceito de função ocupava um papel central.
Nas mesmas águas navegavam Viollet-le- Duc e Gottfried Semper que, tal como Greenough, sofreram a influência da sistemática de Cuvier. Greenough e Sullivan foram influenciados por Ralph Emerson, filosofo naturalista que pensava que a arquitectura não devia resultar de escolhas arbitrárias ou caprichosas.
Do outro lado, nas ciências da vida, biólogos como D´Arcy Thompson investigavam as relações entre a forma e a função. “On growth and form” é um trabalho científico publicado em 1917 que se situa na fronteira entre a ciência e a arte. "Good literature as well as good science" no dizer do Prof. J. T. Bonner, reponsável pela edição abreviada da obra.
Eis alguns dos “links” em que se cruzam os ventos da arte, da ciência e da filosofia novecentista.
“Form follows function” inscreve-se pois no pensamento moderno e veio a constituir o lema da arquitectura moderna do seculo XX. A sua leitura redutora, determinista, maquinista, veio a provocar a reação pós-moderna plasmada no contra-lema de Horst Rittel: “form follows fiction” e foi mesmo posta em causa, como um formalismo encapotado, por Reyner Banham e Jan Michl entre outros.
Afinal em que ficamos?
Deixando os radicalismo extremos, atentemos na nossa experiência profissional, sem preconceitos. Não vemos nela um processo circular centrado na forma em que a forma segue a função e esta a forma?
Em termos vitruvianos, venustas, soliditas e utilitas são os vértices de um grafo triangular, em que a forma sensível – venustas – tem, na arquitectura, um papel integrador segundo Ludovico Quaroni.
Quaroni, na última das suas “oito lições de arquitectura”, ilustra esta ligação triangular com a sua história do campanário, em que a forma parte de necessidades práticas, contempla implicações construtivas, ganha valor simbólico e evolui com o gosto dos tempos:
“É evidente que um campanário, que nasce para colocar bem alto os sinos de modo que se ouçam à maior distância possível passando por cima da massa de casas e árvores, acaba naturalmente por constituir o “signo” da igreja."


"Já é mais oscilante o caminho seguido pelo campanário, para distinguir-se duma torre defensiva, ao constituir-se como apoio do “símbolo” que o distingue: a cruz. O campanário românico da Europa central é uma torre quadrada coberta por um simples telhado de quatro águas com uma pendente normal que sustenta no seu vértice uma simples cruz de ferro; a arquitectura gótica entende que isto não basta para a engrandecida importância social da religião e elabora o telhado, tranformando-o numa cúspide, porventura de madeira, mas aumentada na altura para duplicar a visibildade do “signo”...”
“Com a mudança de gosto da revolução barroca, deixa de agradar a enfatização do sustentáculo da cruz pela verticalidade das vertentes do telhado; a cúspide ponteaguda é demasiado rígida, demasiado essencial e severa para o novo gosto e é substituida por uma cobertura em forma de bolbo que apresenta as mesmas características de “terminação”, de signo visível ao longe; no caso da altura não ser muito grande, o arquitecto intervem carregando o signo com a cor. Com o verde claro do cobre oxidado, como o vermelho da pintura, com azulejos amarelos e verdes ou até com ouro. O importante é que se veja a grande distância.”
“Com esta operação estamos muito longe da “função primária” de proteger os sinos da chuva: o signo converteu-se em algo mais, embora o campanário rustico românico já fosse arquitectura, e achamo-nos face a uma “segunda função.”
Função, entendida num sentido lato ou, como dizia Alvar Aalto, "num sentido muito mais vasto do que o do funcionalismo técnico" (A humanização da arquitectura, The Tecnological Review , 1940).

Wednesday, November 14, 2007

Mito da Máquina

Qual é a palavra de ordem que impera na sociedade moderna?
Não é a COMPETIÇÃO?
E a competição não conduz logicamente à concentração do poder nos "mais aptos"... se não houver "travões"?
E esse poder não atinge hoje uma escala global apoiado no progresso tecnológico, à medida que os travões tradicionais e o estado keynesiano vão sendo corroídos e as "instâncias internacionais" inviabilizadas pelo poder que se agiganta?
Mas poder DE QUEM ou DE QUÊ?
DE QUÊ!
É que hoje esse poder não se concentra em pequenas empresas em que o patrão se cruza com os empregados e em que é possível o trabalhador fazer sentir a sua força, ou o patrão ser tocado pelos seus sentimentos.
O poder concentra-se em entidades gigantescas, desumanas que comunicam a distância e se regem por leis mecânicas implacáveis.
Por aqui vamos a caminho da SOCIEDADE MAQUINISTA de que fala Lewis Munford no Mito da Máquina - Pentágono do Poder.
Mas o presente é inseguro e o futuro incerto! Num volte face, a máquina poderá ir ás urtigas como a água turva do aquário que de repente se torna limpa e transparente, Isto é, não por milagre!

Thursday, November 01, 2007

Para uma história do (in)conforto em Portugal

Em meados do século XVIII, o aventureiro milanez Giuzeppe Gorani observava que em Lisboa ...”as habitações das pessoas de teres estavam melhor trastejadas e arranjadas com mais gosto do que as de Madrid. A disposição dos aposentos estava distribuída de maneira a evitar o calor. Mas, exactamente como em Espanha, não havia mais chaminés do que a da cozinha. No Inverno, um brazeiro e um bom capote substituíam os fogões de parede.”

No primeiro quartel do século XX , Fialho de Almeida, comentava na Vida Irónica: “Hontem, como o frio aperta deveras nas casas, fui-me ao acaso das pernas, dar uma volta pelos bairros afastados da cidade.”

Das nossas casas de então dizia Antero de Figueiredo nas suas Recordações e Viagens de 1905: “Sei o que lhes falta e é muito, pois os nossos avós eram insensíveis ao desconforto”, para ele uma “qualidade que não contribuiu pouco para serem rijos”

Estes três testemunhos ilustram uma relação frugal com o clima, uma atitude de adaptação, muitas vezes sofrida, sobretudo em relação ao frio que eu tive e ainda tenho oportunidade de conhecer e que Orlando Ribeiro enquadrou no contexto mediterrâneo:

“Suportável na rua e no campo, agradável ao sol abrigado, o Inverno é duro no interior das habitações, onde o frio se acumula e permanece: mal aquecidas por falta de lenha, mas também porque a raridade do frio intenso não torna indispensável esta defesa."
"Assim, enquanto o Inverno na Europa média convida a uma intimidade no interior, o frio vence-se aqui apanhando sol ou aquecendo por um rápido passeio a pé.”
Era o que fazia Fialho de Almeida!... E vem-me à mente uma outra solução económica: a de adaptar as nossas casas a um clima ameno, reservando um refúgio para os dias mais frios!

Esta relação frugal com o clima chegou até aos nossos dias. José Nunes Curado, director do Newsletter do Confidencial Imobiliário observava no Diário de Notícias de 24.2.1966, algo que já constatei: "Tenho alguns amigos que vivem em países onde o clima é muito menos ameno do que o nosso e, quando visitam Portugal, queixam-se de sofrer aqui o frio que não sentem no Norte da Europa e no Canadá."
E concluía Curado:"Na realidade em Portugal investe-se muito mais na qualidade da casa ( entendida como sinónimo de nobreza e robustez dos materiais...) do que na funcionalidade do seu uso". Já o dizia Giuzeppe Gorani!

Em Nunes Curado nota-se já a penetração de outras exigências de conforto. A crescente pressão da “oferta” de aparelhos de aquecimento, ventilação e ar condicionado aliada ás condições de inconforto das nossas casas - porventura tradicionais quanto ao frio, mais recentes quanto ao calor – indicia e aviva uma mudança na mentalidade e nos hábitos, influenciada pelos ventos que vêm do Norte da Europa no sentido de uma relação de oposição ao clima, de viver contra o clima, na excessiva dependência das máquinas.

Mas se o tradicional inconforto nos enrijecia, segundo Antero, o conforto mecânico não nos vai amolecendo? Não favorece ele uma espécie de privação sensorial que nos priva da experiência multisensorial que, no meio da nossa frugalidade térmica enriquecia a vida quotidiana nas nossas casas, como “o cheiro fresco das maçãs camoesas a corarem nos frisos da sala de jantar” que Antero de Figueiredo tinha ainda no nariz?