Reflexões Planetárias

Tuesday, February 28, 2012

"Os Alemães são um povo perigoso" ?

Em "A genealogia da moral", Nietzche questiona-se sobre a personalidade do povo alemão:
"O real Mefistófeles germânico logo que atravessa os Alpes acredita que tudo lhe pertence"...
Aventa então uma explicação tocada pelo determinismo geográfico: "Talvez os alemães tenham simplesmente crescido num mau clima!"
Logo de seguida, estabelece um nexo que adquire hoje uma estranha ressonância negativa na tensão que rodeia o processo da dívida grega: "Há algo neles que poderia ser helénico!- algo que desperta quando entram em contacto com o sul - Winkelman, Goethe, Mozart."
Falando para os seus, acrescenta Nietzche: "Não nos devemos esquecer que somos ainda jovens. Lutero é o nosso acontecimento maior e o nosso livro capital é ainda a Bíblia. Os germânicos ainda não foram "moralizados". E ainda que o verdadeiro alimento dos alemães terá sido a sua dōm" (que traduzo por leges barbarorum); "a consequência, o Filistinismo."
"Os alemães são um povo perigoso."
Ian Buruma em "The Wages of Guilt" tem uma visão menos sombria: "There are no dangerous peoples; there are only dangerous situations, which are the result, not of laws of nature or history, or of national character, but of political arrangements".
Mas, a propósito da Alemanha e do Japão, não exclui a influência do espectro da história no comportamento actual dos povos.
A sua visão é menos sombria, mas não é luminosa!...
Tal como a de Gabriele Baring, para quem o deutsche Angst, “Os medos secretos dos alemães” têm a sua origem "nos terríveis acontecimentos do século XX que, por não terem sido verbalizados nas famílias, deixaram profundas marcas nas pessoas."

A frieza dos números

" ... ó geração de vapor e de pó de pedra, macadamizai estradas, fazei caminhos de ferro, construí passarolas de Ícaro, para andar a qual mais depressa, essas horas contadas de uma vida toda material, massuda e grossa como tendes feito esta que Deus nos deu tão diferente daquela que hoje vivemos. Andai, ganha-pães, andai : reduzi tudo a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal, comprai, vendei, agiotai.
No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie humana ? Que há mais umas poucas dúzias de homens ricos.
E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico? (...) cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis. "
(Almeida Garrett, in " Viagens na Minha Terra ", 1843 )


O patriarca Adam Smith fora mais conciso: "Quando existem grandes propriedades existem grandes desigualdades. Por cada homem muito rico devem existir pelo menos quinhentos pobres."
Ao tempo, teorizava-se sobre a "utilidade da pobreza" e desde o século XVI que as "poor laws" e das "workhouses" britânicas tratavam de tirar partido da força de trabalho.
O utilitarismo britânico é inultrapassável! Nele se deve radicar em grande parte o calculismo torpe que nos reduz a "recursos humanos" e grassa actualmente entre os mandarins e sacerdotes da economia mercantil! Não vai ser fácil livrarmo-nos de toda esta gente que faz o mal e a caramunha (1)!

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(1) "Hoje, sempre que vos aparece no écran da televisão um economista com funções governamentais, não duvideis", adverte, com o coração revoltado, Miguel Real em A nova teoria do mal, "eis a face repelente do mal, aquele que levou a Europa à decadência e se prepara alegemente para destruir o planeta"

Saturday, February 11, 2012

As cidades no "fim do petróleo"

Temos que nos preparar para um mundo sem petróleo.
Para um mundo em que um mix energético não nos dará a energia abundante e barata proporcionada pelas reservas de combustíveis fósseis que possibilitou a sociedade tecnológica a que nos fomos habituando.
À medida que a tecnologia foi invadindo a nossa vida quotidiana, foi aumentando a nossa dependência tecnolológica e consequentemente a depedência energética. Com ela aumentou o nível médio de conforto mas também a insegurança.
A nossa sociedade tecnológica tem grandes vulnerabilidades e acusa, já hoje, sinais de insustentabilidade energética na instabilidade económica e social. O estreito de Ormuz sob a ameaça do Irão é disso lídimo exemplo.
Esta insustentabilidade é ainda agravada pelo crescimento da população de vastas sociedades emergentes como a China, envolvidas no vórtice tecnológico da globalização capitalista.
Atendendo à (in)segurança do abastecimento energético neste quadro de instabilidade global, torna-se pertinente um quantum satis de autosuficiência.
A par do aproveitamento dos nossos recursos energéticos endógenos, temos que racionalizar a utilização de todos os recursos, não só na indústria mas também nos transportes e nos edifícios.
Temos pois que rever, a bem ou a mal, o nosso padrão de vida que inclui a forma como temos vindo a organizar, eu diria malbaratar o nosso "jardim", nos últimos cinquenta anos.
A urbanização difusa aumentou drásticamente a nossa dependência do automóvel bem como os custos de manutenção de infraestruturas e equipamentos e, last but nor the least, piorou a urbanidade ; os edifícios que se fizeram irão obrigar as futuras gerações a reduzir o conforto para consumir menos energia.
A revisão do padrão de urbanização já deveria ter começado, pois a renovação do parque habitacional, entre reabilitação e reconversão, demorará algumas dezenas de anos. Digamos, cerca de trinta anos que é provavelmente o tempo que nos resta para abandonar o paradigma do petróleo.
É um enorme desafio à nossa capacidade de organização... .que é precisamente o que nos tem faltado nos últimos trinta anos que gastámos em iniciativas desencontradas ao sabor de pequenos e grandes interesses particulares de curto prazo, em que avulta o negócio de terrenos.

Arquitectura e Engenharia

Até aos primordios da Renascença do florentino Fillipo Brunelleschi os arquitectos não se distinguiam dos engenheiros.
Foi já nos tempos Modernos, há pouco mais de duzentos anos que a arquitectura e a engenharia civil se separaram, centrando-se uma na ordem prática da construção, no que Vitruvius designou por "princípio positivo" e a outra na ordem sensível, no que Vitruvius designou por "princípio arbitrário".
Ainda hoje esta separação está longe de ser consensual, havendo países, cursos e profissionais em que ela não é evidente.

Frei Otto, Nervi, Candela, Calatrava são arquitectos ou engenheiros?
Há sim, obras como um grande ponte, em que as grandes questões são da ordem prática da construção (e da manutenção), enquanto que outras como uma pequena igreja são de ordem sensível... sem que em qualquer dos casos o sejam em exclusivo.
No meu ponto de vista, o arquitecto e o engenheiro irmanam-se na capacidade técnica de intervir no meio, devendo considerar as suas aptidões, bem como os impactes da intervenção, com o fim último de satisfazer necessidades ou exigências sociais que não lhes cabe definir.
Regressamos em termos actuais à τέχνη, a Techné (1).

(1) Segundo Cornélius Castoriadis ("A Ascensão da Insignificância"), no mundo antigo a Techné era o domínio dos especialistas. Dominio em que se podiam distinguir os melhores dos menos bons: arquitectos, construtores navais, etc. Não havia então especialistas na política que era domínio da doxa, da opinião; não havia nem epistémê nem technê políticas. Foi porventura em Platão, e agora no imaginário moderno que emergiu a pretensão a um saber político especializado, a uma epistémê politica.
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Figura: Felix Candela (1958) - Restaurante Los Manantiales