Reflexões Planetárias

Saturday, February 03, 2018

A Ponte Salginatobel

Finalmente visitámos a Ponte Salginatobel!
Lá chegámos por caminho sinuoso e estreito, serpenteando por pequenas aldeias, tu cá tu lá com as pequenas casas rurais. O caminho vence o vale por esta ponte que lhe dá continuidade pelo estreito tabuleiro de 3.5 metros em que cabe à justa o pequeno autocarro que nos vem repescar à hora certa. As maciças guardas de betão que participam da estrutura do tabuleiro, distanciam-nos do precipicio reforçando a escala humana do ambiente próximo com chã simplicidade. Perfeita integração à escala do caminho que liga as povoações de Schiers e Schuders.


A escala de integração é outra quando a visualizamos, não na passagem, mas na paisagem! Aí temos a ponte que se insinua a 93 metros de altura no cavado vale - o tobel Salgina. O fino traço do tabuleiro apoia-se num arco parabólico triarticulado que parece seguir o funicular das forças com um mínimo de material, vencendo um vão de 90 metros com uma flecha de apenas 13 metros (razão flecha/vão de 0.144). Os tímpanos vazados são ritmados pelos banzos das paredes laminares que ligam o tabuleiro ao arco, mimetizando a cadência vertical da floresta circundante. Tão sólida na passagem, tão leve na paisagem!


A ponte foi cuidadosamente construída em betão armado conforme o projecto de 1929 de Robert Maillart (1872-1940) que dirigiu as obras. Tem sido cuidadosamente mantida como se pode constatar, cumprindo a função que lhe foi confiada. Prova-se assim que ela combina sabiamente a ordem prática da utilização e da construção com a ordem sensível. Casam-se sem distinção, o engenho e a arte nesta obra de subtil integração em que "a forma segue a função".


Mas que "espírito" a preside? Podemos defini-lo por contraste recorrendo a uma grande obra do engenheiro Isambard Brunel que visitei há alguns anos: a ponte pensil de Clifton sobre o rio Avon, na Grã Bretanha.


Eis o espírito vitoriano! "O ideal faraónico de tudo vergar sob a sua força" que animava o Carlos Fradique de Eça de Queirós. "Nature to be
commanded"!
Também podemos defini-lo - o "espírito" de Salginatobel - pelo que entendo ser um exemplo semelhante, com 1400 anos de história: a Ponte Anji sobre o rio Xiaohe, localizada na província chinesa de Hebel:


Para comparação, a ponte Salginatobel:


Construida entre 595 e 605, no Período Sui, a Ponte Anji assegurava a continuidade da rede terrestre de transportes, indispensável para carrear os impostos em espécie que mantinham a "burocracia chinesa". O tabuleiro de 9 metros de largura para responder ao porte do tráfego, apoia-se num arco segmentar com um raio de cerca de 27 metros, um ângulo ao centro inferior a 90°, vencendo um vão de 37 metros com uma flecha de 7.3 metros (razão flecha/corda de 0.197). Materializado em pedra gateada, trabalha convenientemente à compressão e os tímpanos são vazados para reduzir a resistência à passagem da corrente em períodos de cheia. Salgina Tobel e Anji irmanam-se no desenho, guardadas as diferenças nas proporções associadas á natureza dos diferentes materiais. A ponte, cuidadosamente construída e mantida, é ainda hoje utilizada. Também ela mostra combinar sabiamente a ordem prática da utilização e da construção com a ordem sensível. No entanto, a meu ver, o seu ideal não é faraónico mas taoísta, ao mesmo tempo que, tal como a Ponte Salginatobel me faz lembrar o ideal baconeano: "Nature, to be commanded must be obeyed".

Dialogo sobre a Arquitectura

Dialogo sobre a Arquitectura com os que me perguntam sobre ela.

-Sabe o que me encanta no Palácio de Alhambra em Granada?

-O lavrado da paredes, das abóbadas... a luz, a geometria dos pátios e jardins que nos deleitam pelo olhar?

-Sim. Decerto tudo isso mas, mais do que isso, o encontro deliberado de sensações em que participam a vista, o ouvido, o olfacto, o tacto e avulta a experiência térmica, numa artificiosa que não artificial modulação do clima, pela sábia combinação dos materiais da construção, da vegetação e da água na estruturação do nosso universo humano que apela para uma experiência multissensorial..
É o que para mim falta na arquitectura de hoje. Não só da corrente mas também da erudita.

-Porque falta?

-Talvez porque não faz falta ou está impedido usualmente de acontecer, numa sociedade que divide os nossos sentidos para os manipular numa segunda realidade que se substitui à experiência directa do mundo à nossa volta. Por isso não é considerado nas escolas de arquitectura, como fez notar o arquitecto Richard Neutra.

-E porquê?

-Bom! Abre-se aí um campo de discussão que tem que questionar a sociedade moderna e, com ela, a cultura dominante.