Reflexões Planetárias

Friday, May 15, 2015

Uma boa tática?

A sessão de apresentação da nova revista on line "Crítica económica e social" foi polarizada pela intervenção de João Galamba que falou sobre o relatório "Uma década para Portugal", encomendado pelo PS de António Costa a um grupo de economistas coordenado por Mário Centeno.

Aguardava esta intervenção com uma certa expectativa: João Galamba iria demarcar-se do relatório ou, pelo contrário, defendê-lo?
Considerando provado pela experiência da Grécia que o actual directório europeu recusa liminarmente qualquer alternativa à sua "política de austeridade", parece-lhe boa tática jogar no campo do adversário; "il faut chasser sur les terres de l´adversaire"(1). Jogar no terreno do adversário, com as suas armas e no linguajar do seu modelo abstrato, esgrimindo com indices, multiplicadores e outras abstrações macroeconómicas(2). Assim afectado pelo "trauma grego", está bem para ele, alinhar com o PSD no tal "Tratado Orçamental", limitando-se o PS a antecipar algumas medidas favoráveis aos trabalhadores... O que eles concerteza agradecerão, como teve o cuidado de salientar João Galamba que tenho como sendo um das mais combativas e escassas personificações da esquerda do PS!
Não sei se, nestes termos, dará para as pessoas distinguirem o PS do PSD. Por este andar, o PS poderá mesmo perder as próximas eleições ou, quem sabe, (con)fundir-se com PSD na reedição do Bloco Central!
E queria o pequeno Rui Tavares puxar o iceberg socialista para o lado de uma esquerda cada vez mais dividida no reiterado propósito de se unir! Mas não é assim por toda a Europa fustigada pelo choque tecnocrático, no actual refluxo do capitalismo que faz desta crise uma oportunidade?
_____________________________________________
(1)"Lentement, le scepticisme s´installe. Petit à petit, on estime que, coincés entre les contraintes économiques et la desffection sociale, le terrain ne peut être reconquis. Il faut chasser sur les terres de l´adversaire". Intervenção de Jean-Christophe Cambadélis em 16 de Dezembro de 1989 no colóquio do PS francês "Où son nos divergences idéologiques", citado no "Le Monde Diplomatique de Maio de 2015.
(2) Carvalho da Silva objectou que assim se dissolvem as "relações de trabalho", nelas a contratação colectiva e, digo eu, se coloca a sociedade, suas instituições, relações sociais e modo de vida a reboque do "mercado": a "grande transformação" que Polanyi julgava ter os dias contados, está de volta!
Eugénio Rosa apontou judiciosamente algumas faltas e contradições do relatório e Francisco Louçã, em segunda linha, teceu críticas que não retive, vigorosamente repelidas por João Galamba.

Friday, May 01, 2015

O naufrágio da Europa

Esta gente vai atrás dum sonho ou foge de um pesadelo... indo ao encontro de outro?
Não se afunda hoje a Europa no pesadelo da crise a que levou o refluxo neoliberal, navegando à vista sem nenhum projecto colectivo mobilizador?


E será a Europa alheia ao pesadelo de que foge esta gente infeliz?
A linhagem dos senhores da Europa não contribuiu decisivamente - e continua a contribuir - para a desintegração das comunidades tradicionais colonizadas que a lógica do capitalismo e as suas externalidades ambientais converteram numa reserva de precários migrantes desenraizados, deixando povos inteiros à deriva(1)?
Bem podem os eurocratas invocar "valores" que persistem mas não cabem no seu arsenal tecnocrático! Confrontados com as "externalidades" da sua política que dão à costa na malfadada periferia mediterrânea, dividem-se entre lágrimas de crocodilo e medidas defensivas aviltantes.
___________________________________
(1) No caso da Síria, chega do Iraque gente que foge à situação criada pelo desastroso governo J. W. Bush e chega à cidade gente a quem a agro-industria tirou as terras e a água e, para mais, é acossada pela desertificação, na maior seca conhecida no Crecente Fértil desde os primórdios da civilização. Gente vinda de várias partes em situação desesperada não pode deixar de gerar mais conflitos que passam por clivagens étnicas quantas vezes acentuadas e exploradas na guerra psicológica das grandes e pequenas potências, bem conhecida por quem esteve na guerra colonial.

Fonte da imagem: Excerpto da imagem de capa do número 1099 da revista "Internazionale"