Reflexões Planetárias

Tuesday, April 20, 2010

Forma e Função na Arquitectura

Assisti à morte da Antiguidade Clássica no curso de arquitectura, ao tempo uma das "Belas-Artes" albergadas no Convento de S. Francisco. Morreu ao extinguir-se a cadeira de Desenho Arquitectónico com o advento da "Nova Reforma" em 1957.
O Arquitectónico era dominado por um tremendo professor que a zelosa contínua anunciava sempre com a sua vozinha tremula de pavor, como se aí viesse uma grande tempestade: "Vem aí o Mestre!"
E vinha! Quando o Mestre Luís Alexandre da Cunha, "Cunha Bruto" para nós, riscava nervosamente os desenhos traçados com desvelo e mina 4H na superfície imaculada e tensa do papel cavalinho, colado no contorno à prancheta como se fosse um tambor... se não descolasse ao secar, depois de ter sido bem humedecido para o efeito.
"Não tem expressão!", exclamava.
A expressão estava no traço e também nas proporções.
Segundo Vignola, cujo tratado seguiamos religiosamente, cada uma das cinco ordens tem as suas proporções que lhe dão expressão própria.
Um edifício que respeita as proporções da ordem dórica, tem o severo equilíbrio estético da ordem dórica, qualquer que seja o seu tamanho. Puro desenho geométrico, sem tempo nem lugar.

Mas quanto ao equilíbrio estático? Ou melhor, quanto à resistência.
Referindo o tamanho ao módulo, a secção, logo a sua resistência à compressão, varia com o quadrado do raio da coluna (o módulo) e o volume do conjunto, logo o peso próprio, varia com o cubo.
Não variando na forma e nos materiais, um edifício quatro vezes maior do que outro (com um módulo quatro vezes maior) é sessenta e quatro vezes mais pesado, mas as suas colunas são apenas dezasseis vezes mais resistentes!
Aumentando o tamanho, o aumento da resistência não acompanha o aumento do peso próprio, até que chegamos ao edifício que ruirá sob o seu próprio peso!
O edifício será sempre equilibrado do ponto de vista estético considerado, mas não do ponto de vista estático.
Á semelhança estética não corresponde a semelhança estática, por efeito do princípio da similitude.
Pelo princípio da similitude, a forma não segue a função... ou a função não segue a forma.
Há um conflito a resolver. Por exemplo, modificando a resistência dos materiais e portanto os materiais. O uso da pedra em vez do tijolo nos grandes monumentos da arquitectura clássica talvez não fosse extranho a este embróglio da similitude.
Assim como hoje, a procura de leveza e transparencia, não é extranha á imperativa utilização de materiais como o aço e o betão armado em grandes edifícios e pontes.

Pergunta de algibeira a propósito das sombras na figura de Vignola: Estas sombras "clássicas" com projecção horizontal e vertical a 45º, são possíveis numa arcada a sul em Lisboa. Mas em que meses e a que horas?

Monday, April 19, 2010

Relendo Herbert Read

Herbert Read, seguindo o idealista Ernst Cassirer, identificava o modo simbólico de expressão como "a criação de uma forma para significar um sentimento".
Mas Cassirer, citado e seguido por Read não se fica por aqui, pois atribui à arte "poder construtivo na estruturação do nosso universo humano": "as formas de arte levam a cabo, para além do mais, a tarefa precisa de construir e organizar a experiência humana", através da imaginação, da imagem sensível, enquanto que a ciência o faz através da razão.
Nesta concepção ambiciosa (vanguardista?) da arte construtora ou fundadora de Cassirer-Read, o artista-pintor (ou escultor, ou poeta...) não passaria da "investigação" e do projecto, ousando outros artistas como o arquitecto, levá-lo até ás suas últimas consequências: projectar a sua realização "no terreno", no teatro da nossa vida quotidiana.

Arquitectura e Técnica

Admitindo que na arte de projectar em arquitectura, a imaginação segue uma linguagem formal codificada, um caso paradigmático extremo será o do arquitecto que se inspira em imagens publicadas nas revistas de arquitectura que ele escolhe e adapta ao seu caso particular. Centrado na ordem formal, o arquitecto remete para os técnicos a solução dos problemas de ordem prática não resolvidos ou criados pelo projecto. "Form follows fiction".
Menos radical, porventura mais realista, será o caso do arquitecto que dialoga com os técnicos, procurando respeitar boas práticas da edificação ditadas pelos especialistas e alcançar uma boa integração formal dos equipamentos. Neste caso, o método e os conhecimentos científicos são aplicados na materialização e avaliação do desempenho do edifício, com "feeback" no projecto de arquitectura.
"Form follows fiction follows function".
Nos antípodas do "formalismo" da arquitectura "beaux-arts", dominante nos dois casos anteriores e do pseudo-funcionalismo modernista, metafísico e hegeliano, está a arquitectura funcionalista "terra-a-terra" que pretende seguir um método científico de feição determinista, numa prática projectual que menospreza a linguagem formal codificada.
"Form follows function" O diálogo entre a arquitectura e a técnica pode ser aprofundado num método semiótico-científico, em que o método científico se conjuga com o método semiótico da arte, no apuramento de modelos ou tipologias (Figura 1).
É este o método desenvolvido por Sergio Los*, para incorporar na arquitectura os frutos do progresso científico-tecnológico.

* Sergio Los (1988). The architecture of transformation. Energy and Buildings for Temperate Climates. PLEA 88, Pergamon press, UK

Sunday, April 11, 2010

Leiria - uma cidade em transformação

Leio no crescimento difuso da cidade de Leiria dois processos cruzados que se intensificaram a partir dos anos oitenta.

Um processo de baixo para cima, algo anárquico, em que a industriosa população local se desdobra em multiplas intervenções que se adensam nas vilas e aldeias dos arredores, bem como ao longo de antigas vias de circulação local e de estradas nacionais parasitando-as no que Álvaro Domingues designa, com graça e propriedade, por "rua da estrada". Paredes meias com vinhas, pomares e hortas familiares, retalhos de cultura, matos e pinhais remanescentes, emergem fabriquetas, barracões, oficinas, "stands", vendas e lojas de comes e bebes, em heteróclitas instalações e anexos, parques de sucata, de usados e tutti quanti... E nesta espécie de anarquia há ainda as casas! Last but not the least! As casas novas, pequenos e grandes caprichos, materialização de sonhos (pesadelos para outros), paredes meias, por vezes no sentido literal, com "prédios de andares", fruto da iniciativa de algum vizinho mais empreendedor e "bem relacionado" que, numa insanável contradição, se agigantam sobre elas roubando-lhes a privacidade, o sol e as vistas.
Um processo de cima para baixo vindo de fora, em que a massificação da sociedade de mercado, apoiada na tecnologia, se materializa em grandes infraestruturas e equipamentos de âmbito regional ou supraregional que esquartejam a estrutura ecológica e o tecido rural. O padrão fino da vida local é imperceptível à distância a que são tomadas as decisões económicas e tecnológicas nos gabinetes da administração pública e privada. Abstrações desenhadas nos gabinetes de projecto comandam a distância a retroescavadora que se lança sobre o terreno, descarnando montes, aterrando vales, levando à sua frente caminhos, fontes e poços, terras de cultura, sebes e bosquetes protectores, florescentes e odoríferos, cheios de vida. Num ápice que não permite o arrependimento, desfigura-se em definitivo a fisionomia particular de um sítio, longamente afeiçoada pelo tempo e pelas gerações. É a "morte por abstração" dos bombardeamentos a distância, uma comparação brutal do arquitecto Malcolm Wells para abanar a consciência dos colegas com maiores responsabilidades públicas e grandes encomendas privadas.
Um processo híbrido que tem os seus promotores e mete autarquias e técnicos, envolve uma parte da industriosa população que transfere competências, a tempo parcial ou inteiro, para a construção civil incorporando-se numa espécie de máquina de desruralização que, através de loteamentos na lógica do negócio imobiliário, converteu os campos em sub-urbanizações sem urbanidade porque não se estruturam num espaço público favorável à convivência urbana. Sub-urbanizações e terrenos espectantes, entremeados com monoculturas agro-florestais sem ruralidade.
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Perdeu-se o equilíbrio cidade-campo que os mais velhos conheceram na sua infância. O centro histórico não encontra um lugar seguro neste processo dual de conurbação autodependente que faz de Leiria uma das capitais do país mais difíceis de recuperar para um mix de transportes que contemple a resposta à crise energético-ambiental e proporcione condições para uma melhor qualidade de vida urbana. Esse equilíbrio ancestral que se perdeu para sempre, transparece nesta imagem da cidade dormente do passado que eu ainda conheci na minha infância: O diálogo de poderes entre o Castelo, a Torre e a Sé - em que se intromete o "edificio do Governo Civil" - domina o casario encaixado na paisagem envolvente! Imagem também de uma sociedade estática e fechada em que a vida era dura para muita gente... mas, como contam com saudade os mais velhos, não isenta de alegrias, no jogo da convivência que se insinuava na labuta diária, ou explodia nas festas religiosas que se casavam com a cadência das estações!
Abandonado este equilíbrio estático ancestral, está por encontar um novo equilíbrio. Por enquanto reina um estado que os optimistas militantes poderão designar por destruição criativa e os críticos por criação destrutiva.
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Figuras: Moínhos da Barosa, Leiria (fonte: Google); "Rotunda aérea" junto ao "Leiria Shopping" (fotografia do autor); Vale Sepal, Leiria (fonte: Google); Vista de Leiria antiga (fotografia da colecção do autor)

Nunca vivemos tão bem!

Não nos deixemos vitimizar pelo medo, nunca vivemos tão bem! proclama Dan Gardner em "Risk - The Science and Politics of Fear". Nós que "temos a sorte de viver num país ocidental", como ele diz.

Nós, feitores e usufrutuários do progresso, nunca vivemos tão bem!
Mas os outros, o resto do mundo que está a pagar a factura?
Crescem os conflitos entre nós os "ricos" e os outros.
Poderemos nós, mesmo os mais empedernidos nihilistas, ignorar os crescentes custos do progresso que por este caminho acabarão por se tornar insustentáveis?
Dan Gardner prova à exaustão que o medo é abusivamente explorado na manipulação da informação por interesses mediáticos e outros interesses económicos e políticos, mas teremos que concordar que o progresso combina vulnerabilidades com riscos acrescidos, o que não nos deixa muito descansados.

Aspecto dantesco do Eyjafjallajokull no dia 17 de Abril de 2010

Depois... bem, depois vem a propósito reflectirmos sobre o que é para nós "viver bem". Será "viver melhor" redutível a índices de crescimento como o do consumo, da altura ou da esperança de vida?
"Mais ricos mas não mais felizes" indiciam estudos sociais recentes, porventura contestados pelos "optimistas". pois que a infelicidade fere de morte a modernidade!

Nota: O reflexo da erupção do Eyjafjallajokull na aviação civil trouxe a público a perspectiva economicista das companhias aereas sobre a fixação de um nível seguro de cinzas vulcânicas, fazendo-o depender de um "trade off" entre os custos da suspensão de vôos e as indeminizações em caso de acidente. Preocupante!
A perspectiva tecnicista demora-se na construção de motores mais resistentes, mas não nos enpenhamos na construção de uma solução multimodal de transportes para a Europa.
Estou com os que pensam que assim não vamos a parte nenhuma! Vamos por esse descaminho com as soluções caso a caso que nos impingem os que estão do lado do problema.
Não estou com eles e com os seus pares da "fuga para a frente" com mais do mesmo, nem me atrai o regresso à "pedra lascada".
Seduz-me a hipótese de colocarmos as cidades e as tecnologias do lado da solução e não do problema numa sociedade participada, empenhando-nos na construção de uma vida melhor...
Para todos. Não só para "nós"!
Temos hoje capacidade de sobra para o fazer! Partilho nestes termos o optimismo de Dan Gardner.