Aprender a "jogar" com a arquitectura
Richard Neutra contrapunha uma arquitectura "omnisensorial" ao empobrecedor visualismo do "arquitecto euclidiano". Steen Eiler Rasmussen mostra-nos em meridianos exemplos como a experiência da arquitectura é multisensorial, assim como faz parte da nossa vida corrente e da aprendizagem informal dos mais novos. Eis um desses exemplos que traduzo na íntegra:
Nenhuma outra arte emprega formas mais frias e abstratas, mas também nenhuma outra está tão intimamente ligada à nossa vida quotidiana do berço até à morte.
A arquitectura é produzida por gente comum para pessoas comuns; deveria ser por todos apreensível. Baseia-se num certo número de instintos, de descobertas e de experiências comuns a todos nós, desde que nascemos - sobretudo na nossa relação com as coisas inanimadas.
Podemos comparar com o que se passa com os animais. Certas capacidades naturais nos animais, apenas as alcançamos com denodado esforço. São anos para uma criança se pôr de pé, para andar, saltar e nadar. Por outro lado o ser humano alarga o seu domínio a coisas que não fazem parte dele próprio. Com a ajuda de toda a espécie de meios aumenta a sua eficiência e o alcance da sua acção como nenhum outro animal.
Entregue a si própria, a criança começa por tomar o gosto, tactear e manipular as coisas, trepar e gatinhar sobre elas, para descobrir como são, se são amigáveis ou não. Aprende rapidamente a usar toda a sorte de instrumentos e assim evita as experiências mais desagradáveis.
Cedo a criança se torna apta para usar estas coisas. Como que projecta os seus nervos, todos os seus sentidos, no âmago do objectos inanimados. Ao atirar uma bola contra a parede a que não chega lá acima, fica com uma impressão dela. Desta maneira descobre que ela é muito diferente de um bocado de tela ou de papel em tensão. Com a ajuda da bola apreende a dureza e a solidez da parede.
A enorme igreja de S. Maria Maggiore fica numa das sete colinas de Roma. Inicialmente o sítio não estava arranjado, como se pode ver num velho fresco existente no Vaticano. Mais tarde, os declives foram suavizados e articulados com uma escadaria que vai até à abside da basílica. Os muitos turistas que lá vão de visita não se apercebem do caracter próprio do espaço à sua volta. Apenas dão conta do número de estrelas que o edifício tem no guia turístico e passam adiante. Mas a sua experiência do lugar não é como a dos rapazes que aí vi há anos. Calculo que andavam numa escola religiosa ali perto. Tinham um intervalo ás onze e usaram o tempo a jogar uma espécie de jogo da bola no amplo patamar ao cimo da escadaria. Uma espécie de futebol em que a parede também entrava, como no squash - uma parede curva, contra a qual batiam a bola com mestria. Quando a bola ia fora ia decididamente fora, a saltitar pela escadaria abaixo e depois a rebolar mais umas dezenas de metros com o rapaz a correr atrás dela afogueado, por entre carros e Vespas, até ao grande obelisco.
Não digo que estes jovens italianos aprendessem mais sobre arquitectura do que os turistas. Mas inconscientemente apreendiam certos elementos básicos na arquitectura: o plano horizontal e as paredes verticais sobre os declives. E aprendiam a jogar com estes elementos...
-Steen Eiler Rasmussen (1959). Experiencing architecture, John Wiley & Sons, Inc. NY.