"A retoma está aí", anunciava Manuela Ferreira Leite, então Ministra de Estado e das Finanças de Durão Barroso.
Uma década depois, proclamam agora os governantes e o coro dos seus seguidores que 2014 será o ano da nossa libertação,
nesta opera buffa cujo primeiro tenor é o delirante Dr. Portas. A troika vai-se embora e regressaremos aos mercados. Mas advertem que ainda estamos muito fraquinhos e que por isso a austeridade é para continuar por mais alguns anos.
Mas o que é que quer dizer deste misto de boas e más notícias, tanto mais que não se vislumbram, nem nos indicadores económicos, nem na vida económica e social, sinais inequívocos de que o programa de ajustamento está a vencer a crise?
Ou será que o programa tem outros propósitos inconfessados... e que nesses termos está a resultar?
Falando de Espanha, Concha Caballero escreveu, vai para um ano, un texto que nos traz uma resposta tão plausível como terrivelmente consonante com o que se está a passar por cá.
Vou ousar resumi-la, na parte que nos toca especialmente.
Começa assim: "Um belo dia do ano de 2014"
Um belo dia do ano de 2014 irão anunciar que a crise terminou... mas que teremos que ser muito prudentes, para evitar recaídas.
Um belo dia do ano de 2014, a crise terminou oficialmente pelo que deveremos ficar muito agradecidos, dando por boas as políticas de ajustamento e, eles voltarão a dar corda ao carrocel da economia. Supostamente, a crise ecológica, a crise da distribuição desigual da riqueza, a crise da impossibilidade de crescimento infinito permanecerá intacta, mas essa ameaça nunca tinha sido publicada nem difundida e os que na verdade dominam o mundo terão posto fim a esta estafada crise - meio realidade, meio ficção - cuja origem é dificil de decifrar mas cujos objectivos ficaram claros e contundentes: fazer-nos retroceder trinta anos em direitos e em salários.
Um belo dia do ano de 2014, quando baixarem os salários até limites terceiromundistas... quando tiverem amestrado a juventude na arte de trabalhar quase de graça; quando dispuzerem de uma reserva de milhões de pessoas desempregadas dispostas a ser polivalentes, descartáveis e moldáveis, então a crise terminou.
Um belo dia do ano de 2014... quando a saúde se compre e não se ofereça; quando nos cobrem por cada serviço, por cada direito, por cada prestação; quando as pensões sejam tardias e avaras, quando nos convencerem de que necessitamos de seguros privados para garantir as nossas vidas, então acabou a crise.
Um belo dia do ano de 2014, quando conseguirem nivelar por baixo toda a estrutura social e todos nós - exceptuando a cúpula posta cuidadosamente a salvo em cada sector - e pisarmos os charcos da escassez ou sentirmos o hálito do medo nas nossas costas; quando estivermos cansados de nos confrontar uns com os outros e ruirem todas as pontes de solidariedade, então nos dirão que a crise terminou.
Nunca, em tão pouco tempo se terá conseguido tanto. Poucos anos bastaram para reduzir a cinzas direitos que levaram séculos a conquistar e alargar. Uma devastação tão brutal da paisagem social que só se viu na Europa pela guerra. Mas, pensando bem, também neste caso foi o inimigo que ditou as normas, a duração dos combates, a estratégia a seguir e as condições do armistício.
Por isso, não só me preocupa quando sairemos da crise senão como sairemos dela. O seu grande triunfo será não só fazer-nos mais pobres e desiguais, mas também mais cobardes e resignados já que sem estes últimos ingedientes no terreno que com tanta facilidade ganharam, voltaria a disputa.
De momento, atrasaram o relógio da história e ganharam 30 anos para os seus interesses. Agora faltam os últimos retoques no novo quadro social: um pouco mais de privatizações por aqui, um pouco menos de despesa pública por ali e,
voilá, a sua obra estará concluída. Quando o calendário marcar um qualquer dia do ano de 2014, mas tendo as nossas vidas retrocedido até finais dos anos setenta, decretarão o fim da crise e escutaremos pela rádio as últimas condições da nossa rendição.
Palavras como balas!