Reflexões Planetárias

Wednesday, December 18, 2013

Tico tico no fubá

Oh! Não! Mais uma vez o quase secular chorinho de Zequinha de Abreu!
Mas é uma recreação surpreendente! Para melhor a apreciar temos aqui a partitura de uma versão colada ao original.
O colorido papagaio vai emergindo de mansinho de um "farelo" introdutório que roça a elegia, até irromper num "corridinho" brasileiro de uma alegria contagiante. Um "samba corrido" bem casado com um jazz elaborado e subtil, cheio de nuances ritmicas, melódicas, harmónicas que podem cair no registo "clássico" mas que também podem resvalar para o modo de ser afra-cubano.



Os glissandi tonais de Stefano Bollani são fabulosos, articulando-se em belas cascatas de modulações sucessivas!
Charles-Henri Blainville (1767) centrava a beleza de uma peça musical na tessitura subtil da sua modulação. Voilá!

Sunday, December 15, 2013

Um belo dia no ano de 2014

"A retoma está aí", anunciava Manuela Ferreira Leite, então Ministra de Estado e das Finanças de Durão Barroso.
Uma década depois, proclamam agora os governantes e o coro dos seus seguidores que 2014 será o ano da nossa libertação, nesta opera buffa cujo primeiro tenor é o delirante Dr. Portas. A troika vai-se embora e regressaremos aos mercados. Mas advertem que ainda estamos muito fraquinhos e que por isso a austeridade é para continuar por mais alguns anos.
Mas o que é que quer dizer deste misto de boas e más notícias, tanto mais que não se vislumbram, nem nos indicadores económicos, nem na vida económica e social, sinais inequívocos de que o programa de ajustamento está a vencer a crise?
Ou será que o programa tem outros propósitos inconfessados... e que nesses termos está a resultar?
Falando de Espanha, Concha Caballero escreveu, vai para um ano, un texto que nos traz uma resposta tão plausível como terrivelmente consonante com o que se está a passar por cá.
Vou ousar resumi-la, na parte que nos toca especialmente.
Começa assim: "Um belo dia do ano de 2014"
Um belo dia do ano de 2014 irão anunciar que a crise terminou... mas que teremos que ser muito prudentes, para evitar recaídas.
Um belo dia do ano de 2014, a crise terminou oficialmente pelo que deveremos ficar muito agradecidos, dando por boas as políticas de ajustamento e, eles voltarão a dar corda ao carrocel da economia. Supostamente, a crise ecológica, a crise da distribuição desigual da riqueza, a crise da impossibilidade de crescimento infinito permanecerá intacta, mas essa ameaça nunca tinha sido publicada nem difundida e os que na verdade dominam o mundo terão posto fim a esta estafada crise - meio realidade, meio ficção - cuja origem é dificil de decifrar mas cujos objectivos ficaram claros e contundentes: fazer-nos retroceder trinta anos em direitos e em salários.
Um belo dia do ano de 2014, quando baixarem os salários até limites terceiromundistas... quando tiverem amestrado a juventude na arte de trabalhar quase de graça; quando dispuzerem de uma reserva de milhões de pessoas desempregadas dispostas a ser polivalentes, descartáveis e moldáveis, então a crise terminou.
Um belo dia do ano de 2014... quando a saúde se compre e não se ofereça; quando nos cobrem por cada serviço, por cada direito, por cada prestação; quando as pensões sejam tardias e avaras, quando nos convencerem de que necessitamos de seguros privados para garantir as nossas vidas, então acabou a crise.
Um belo dia do ano de 2014, quando conseguirem nivelar por baixo toda a estrutura social e todos nós - exceptuando a cúpula posta cuidadosamente a salvo em cada sector - e pisarmos os charcos da escassez ou sentirmos o hálito do medo nas nossas costas; quando estivermos cansados de nos confrontar uns com os outros e ruirem todas as pontes de solidariedade, então nos dirão que a crise terminou.
Nunca, em tão pouco tempo se terá conseguido tanto. Poucos anos bastaram para reduzir a cinzas direitos que levaram séculos a conquistar e alargar. Uma devastação tão brutal da paisagem social que só se viu na Europa pela guerra. Mas, pensando bem, também neste caso foi o inimigo que ditou as normas, a duração dos combates, a estratégia a seguir e as condições do armistício.
Por isso, não só me preocupa quando sairemos da crise senão como sairemos dela. O seu grande triunfo será não só fazer-nos mais pobres e desiguais, mas também mais cobardes e resignados já que sem estes últimos ingedientes no terreno que com tanta facilidade ganharam, voltaria a disputa.
De momento, atrasaram o relógio da história e ganharam 30 anos para os seus interesses. Agora faltam os últimos retoques no novo quadro social: um pouco mais de privatizações por aqui, um pouco menos de despesa pública por ali e, voilá, a sua obra estará concluída. Quando o calendário marcar um qualquer dia do ano de 2014, mas tendo as nossas vidas retrocedido até finais dos anos setenta, decretarão o fim da crise e escutaremos pela rádio as últimas condições da nossa rendição.

Palavras como balas!

Wednesday, December 11, 2013

"A patologia dos ricos"

"Não estamos a brincar, esta gente sente-se com tanto poder que já não tem que disfarçar".
Comentário de João Rodrigues - um dos "Ladrões de Bicicletas" - a uma das entrevistas e declarações em que se desdobra " um dos homens mais ricos de Portugal": Alexandre Soares dos Santos.
Lembremo-nos do que foi esse aviltante dia de descontos do Pingo Doce, ostensivamente lançado por este senhor no dia do trabalhador: pura "luta de classes"!
"Esta gente", senhora dos seus privilégios, tem um empedernido desdém pela populaça, incluindo nela a "classe média", hoje tão causticada pela política austeritária.
Chris Hedges descreve sem rodeios "esta gente" no superlativo que tão bem conheceu: a oligarquia possidente que acompanhou de perto na sua juventude quando passou pelas escolas da "ivy league" americana.



Um retrato "desta gente" que nos mostra uma "elíte" que vive num mundo à parte dos outros 99%, no vértice de uma pirâmide social que procura manter, sacando o mais possível enquanto é tempo e protegendo-se da adversidade social e ambiental que potenciou.
Neste quadro de decadência, digno de uma fase de transição civilizacional, Chris Hedges aponta e explica a "fraqueza da esquerda" americana como primeiro passo para a sua reconstituição no caminho de uma alternativa de futuro, em que reconhece o movimento OWS (Occupy Wall Sreet), temido e fortemente reprimido pelo governo americano que está a fechar o espaço público à participação cidadã. Também por cá se começa a fazer o mesmo caminho.