Reflexões Planetárias

Thursday, February 17, 2011

Moralizar o Capitalismo?

I wanted to tell her of all the places I had been and the kindness of the many people I had met - from Russia to the Philipines, from Tibet to Afghanistan to Iran, and yet it was here in Europe, where people were so rich, that I was refused water.
Rob Lilwall
Para Zygmunt Bauman: "Os tempos modernos começaram com a separação operada entre os negócios e a vida familiar. Com efeito, sem essa separação a lógica instrumental dos negócios teria continuado a ser contaminada e refreada pelas obrigações morais: na esfera doméstica e familiar os bens são dados ás pessoas por causa do que as pessoas são - filhos, irmãs, pais - e não afim de grarantir ganhos que aquele que as fornece pretende realizar. Para terem o "sentido dos negócios", por outro lado, os bens devem ser atribuídos ao "maior licitador" - quer dizer, não aqueles que têm maior necessidade, mas aos que estão em condições de dar mais em troca"... "Nos negócios, não existem nem amigos nem vizinhos (embora o sentido dos negócios possa levar a que se afirme o contrário). É útil que numa transação o parceiro seja um perfeito estranho e assim se mantenha, uma vez que só desse modo a racionalidade instrumental poderá assumir o ascendente incontestado de que necessita: um conhecimento excessivo da outra parte poderia - quem sabe? - engendrar uma relação pessoal e emocional que inevitavelmente confundiria e toldaria o juízo."
"A lógica do mundo dos negócios que governa os mercados autoregulados contemporâneos alimenta o esquecimento e a indiferença em relação a tudo que não seja a tarefa instrumental em curso, a tudo o que esteja para além do espaço e do tempo imediatos da acção"...
"Confiar nos mercados autoregulados como modo de "trazer ao de cima o que de melhor existe nas pessoas" tem por efeito não o progresso,mas a devastação moral e, segundo Mulgan, "a cupidez e o egoísmo, a corrupção nas esferas do governo e dos negócios acabam por ser a marca da época neo-conservadora".
"Tal como os esprit de corps da burocracia empresarial, também o espírito dos negócios milita contra os sentimentos e, sobretudo, contra os sentimentos morais. Os interesses comerciais não se conciliam facilmente com um sentimento de responsabilidade em relação ao bem estar daqueles que se poderão sentir lesados pela maximização dos resultados visada no mundo dos negócios. Na liguagem do meio, a "racionalização" significa as mais das vezes o despedimento de pessoas que até esse momento ganhavam a vida ao serviço dos "racionalizadores". Essas pessoas passam agora a ser "supranumerárias" por se terem descoberto maneiras mais eficazes de fazer as tarefas que elas faziam, ao mesmo tempo que os serviços que prestaram no passado são levados em pouca conta: cada transação comercial, para ser perfeitamente racional, tem que começar do zero, esquecendo os méritos passados e as dívidas de gratidão. A racionalidade do mundo dos negócios furta-se à responsabilidade das consequências que ela própria provoca, o que representa um novo golpe mortal na importância das considerações morais. Os horrores das zonas degradadas, das ruas sórdidas, as comunidades outrora prósperas e hoje moribundas, orfãs das empresas que as mantinham vivas e hoje se transferiram - obedecendo ás intenções mais ponderosas e mais racionais - para paragens mais convidativas, não são vítimas da exploração, mas de um abandono provocado pela indiferença moral."

Para François Perroux, "a lógica do capitalismo é a do maior ganho monetário através da inovação" (Capitalismo, Colecção Saber, DEL 1961).
Para Henri Laborit, a liberdade de oportunidades não é hoje a liberdade criativa do cérebro imaginativo, mas o livre curso dado ao "cérebro pulsional e ao dos automatismos para dominar" (L`Homme et la Ville, Flammarion, 1971). É a liberdade, para ele burguesa, de dominar para subir na hierarquia social, excluindo toda a inovação que não seja a inovação técnica que permite aumentar a margem de lucro.

É perfeita a sintonia entre estes pensadores de diferentes quadrantes.
Onde está uma moral na "sociedade de mercado"?
Não está em parte nenhuma!
Ou, como interroga André Comte-Sponville, "O Capitalismo será moral?" (Editorial Inquérito, 2006).
Não! É "angelismo" procurar que o seja!
O capitalismo é amoral (1).

E volto a Zygmunt Bauman para rematar citando a propósito, com palavras bem medidas, uma das suas duas terriveis conclusões sobre a modernidade do holocausto (em "A Modernidade e o Holocausto"): "Num sistema em que a racionalidade e a ética apontam em sentidos opostos o grande perdedor é a humanidade".
...E, já agora, a segunda conclusão é a de que as (poucas) pessoas que escolheram o dever moral de preferência à racionalidade do instinto de sobrevivência, nos mostram que não estamos condenados à barbárie.
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(1) Amoral ou imoral?
Para Ortega y Gasset, a moral "é sempre, por essência, sentimento de submissão a algo, consciência de serviço, obrigação": a amoralidade é um vocábulo vazio, "uma coisa que não existe".
Em A rebelião das massas, Gasset encosta à parede o seu interlocutor amoralista nestes termos: "Se o senhor não quer submeter-se a nenhuma norma, o senhor tem, velis nolis, de se submeter à norma de negar toda a moral, e isto não é amoral, mas imoral. É uma moral negativa que conserva da outra a forma do avesso".
Mas então, interroga Gasset: "Como se pode crer na amoralidade da vida?"
A resposta deste homem que, nas vésperas da Segunda Grande Guerra defendia a unidade e a diversidade da Europa, confronta-nos com um deficit moral associado ao pragmatismo moderno que ainda hoje está por resolver: "Sem dúvida porque toda a cultura e civilização modernas levam a esse convencimento. Agora a Europa recolhe as penosas consequências da sua coduta espiritual. Atirou-se sem reservas pela encosta de uma cultura magnífica, mas sem raízes."