Releio Ortega y Gasset e não paro de encontrar ressonâncias impressionantes neste Portugal e nesta Europa em que "mandam as montras". "Mandam as montras", manda o dinheiro queria dizer Gasset, mandam os mercados como hoje se diz, porque "os outros poderes organizadores da sociedade se retiraram".
Escrevi estas linhas
aqui, há pouco mais de meio ano, causticado pela degradação social que a releitura de Gasset me evidenciou: uma combinação de falta de liderança política e de aparente "acanalhamento" de uma espécie de sociedade de massas.
Gasset vaticinava então, nos anos trinta que, "se esse tipo humano (o homem-massa) continuar a ser o patrão da Europa, trinta anos serão suficientes para mandar o nosso continente de volta ao barbarismo".
Michael Harrington, de quem me vou socorrer nesta reflexão, chama a atenção de que, para o conservador Ortega y Gasset, "a palavra "massa" é sinonimo de "moderno". Gasset metia no mesmo saco das massas, cientistas, ricos e proletários, todos embalados no mesmo comboio do progresso capitalista. Em causa pois, a sociedade moderna que ia à deriva porque "os outros poderes organizadores da sociedade se retiraram".
Quais eram esses outros poderes? Era a antiga aristocracia. A sua "rebelião das massas" não é assim uma afirmativa séria de que milhões tomaram o poder, o que não sucedeu, mas o lamento de terem sido depostos os aristocratas, o que aconteceu mesmo. Os aristocratas com os quais Gasset se identificava.
Consequência, para Ortega, a barbárie dentro de trinta anos, ou seja por volta dos anos sessenta com o retrocesso da tecnologia!
"Foi possivel, comenta Harrington, " trinta anos depois da "Rebelião da massas" declarar decadente o Ocidente, e não foram poucos os escritores que o fizeram. Mas a acusação foi e é baseada em termos do superdesenvolvimento da tecnologia, não no seu declínio".
Pode-se dizer, com Harrington que o homem-massa de Ortega jamais existiu... o que não quer dizer que não exista actualmente um homem-massa nos termos em que o definiu David Riesman em "The Lonely Crowd" que não é estranho à desumanidade moderna a que era sensível Gasset, bem como à solidão do homem contemporâneo, conducente a totalitarismos segundo Hannah Ahrendt. Mas o que é salientado na teoria de Riesman, não é este estado motivar totalitarismos, mas explicar a mentalidade dos consumidores.
Dwight MacDonald, citado por Harrington, fez um dos melhores resumos descritivos desta massa passiva.
No século XX a democracia política e a educação popular romperam o velho monopólio da cultura das classes superiores. Ao mesmo tempo o mundo dos negócios percebeu que era possível fazer dinheiro produzindo produtos de cultura em massa. A tecnologia das comunicações - o cinema, a rádio, a televisão - deram a esse desenvolvimento um campo e tempo sem precedentes. As mercadorias saídas da linha de montagem da nova cultura de massas inundaram a sociedade. a arte erudita foi marginalizada, a arte popular foi quase abolida na cidade, um modo inteiro de vida passou a estar reduzido à mediocridade feita a granel.
"Finalmente, teoriza MacDonald, este processo tomou o aspecto de um círculo vicioso: As massas corrompidas por diversas gerações desta espécie de coisas, por seu turno passaram a exigir produtos culturais confortáveis e triviais. O povo deixou de ser a vítima desamparada dos seus exploradores; passou a ser o cooperador da sua própria degradação."
"Porque aconteceu isso? A maioria dos que partilham o ponto de vista de MacDonald não atribui a cultura de massa somente ás maquinações do sistema capitalista ocidental."
"Como disse Bernard Rosemberg: Se podemos arriscar uma única formulação positiva (...) seria a de que a tecnologia moderna é causa necessária e suficiente da cultura de massa.
Mas, para encurtar razões, remetendo a discussão para futuras reflexões, a responsabilidade do aviltamento do homem na cultura de massas não pode ser atribuida ás máquinas!
"Quem foi que a tecnologia estupidificou? As massas? Ou aqueles que moldaram as massas e nem sequer reconhecem o trabalho feito por suas póprias mãos?"
A responsabilidade pertence aos que concebem a "máquina" - aos sofisticados e educados, como afirma veementemente Harrington: a evidência é farta no Ocidente!