A cidade neoliberal
A crise energética dos anos setenta pôs termo aos Anos de Ouro do capitalismo keynesiano abrindo uma crise económica.
O backlash neoliberal aproveitou a crise económica para reduzir os custos do trabalho. A consequente contração do poder de compra dos trabalhadores travou a circulação económica do dinheiro que se passou para a parasitária especulação financeira, remoçada pelas novas tecnologias.
Os "ricos" estão por ora a ganhar a guerra (de classes), o que é patente no "consumo conspíquo" de uma classe de novos super-ricos que contrasta com a austeridade que vão impondo à maioria dos trabalhadores, fazendo aumentar perigosamente o fosso entre ricos e pobres.
Este quadro dístópico formaliza-se nas grandes cidades.
Um meu familiar regressou recentemente de Nova Iorque, encantado com o Central Park e arredores.
Rios de dinheiro acumulado no "castelo de água" de Wall Street com a financeirização da economia, têm vindo a alimentar o regresso ao centro, na gentrificação de muitos bairros de Nova Iorque, abandonados na era do gigantesco "urban sprawl" associado ao plano rodoviário realizado por Robert Moses.
Aproveitando a isenção de impostos, foi aplicado na conservação do Central Park algum desse capital acumulado pelos super-ricos.
O consequente encarecimento dos terrenos na orla do parque contribuirá decerto para a criação de um gueto de super-ricos tirando o maior proveito deste histórico pulmão verde da "selva urbana" de Nova Iorque.
Está em curso uma milionária operação imobiliária "à sombra" do Central Park... que o poderá ensombrar! O "sell-out" da recente torre de 75 andares, 220 Central Park South, chegou aos 2.5 mil milhões de Euros. Apenas uma das torres de luxo da "nascente" Billionaire´s Row! O preço de venda de uma penthouse com cerca de 1000m2 (pairando a 200m de altitude, sky´s the limit!) ronda os 100 milhões de euros... que é o valor da penthouse em triplex de Donald Trump no topo da torre Trump 1 Central Park West, duma penthouse na torre 432 Park Avenue do arquitecto Rafael Viñoly, ou de outra na torre One57 Park Avenue do arquitecto Christian de Portzamparc! Estes números relativos a "simples" condos de super-ricos são da ordem de grandeza dos que hoje afligem um país inteiro como Portugal!
Duas interrogações inquietantes:
Uma nova "bolha imobiliária" estará à vista, desta vez com as casas para "ricos" usando eles o dinheiro que subtraíram aos "pobres" na sequência da bolha anterior? É que o FIRE sector(*) não tem emenda!
Este regresso ao centro dos super-ricos não corrobora a ideia de Stephen Graham, tão distópica como bem fundamentada? A ideia de que a grandes cidades deixaram de ser os alvos de uma guerra atómica do tempo da Guerra Fria, à medida que ganham momento as guerras de baixa intensidade dentro das cidades: a "guerra contra o terrorismo" está na ordem do dia da Globalizacao em curso. Assim, a estratégia dos "senhores do mundo" teria deixado de ser a do urban sprawl associado ao National Defense Highway Act de Dwight Eisenhower, passando a ser a da gentrificação: instalar-se em condomínios fortificados em forma de torre, no centro das grandes cidades com Nova Iorque, expulsando os "pobres" e, com eles, o conflito social para as cidades-parias do "Planeta dos Slums" de Mike Davis.
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(*) FIRE: Finance, Insurance & Real Estate.
Nota sobre a imagem: Rendering da torre "220 Central Park South" com o Central Park e a cidade a seus pés.