Reflexões Planetárias

Tuesday, June 11, 2013

Paulo Morais e o "Mercado"

No último domingo dei com Paulo Morais a conversar em Leiria, por onde passou na sua "cruzada" contra a corrupção.


A conferência, em jeito de conversa, passou-se no pátio do "Mercado de Santana" salvo "in extremis" por um movimento de cidadãos que nos anos setenta saiu em defesa da cidade, da sua memória e da sua urbanidade, contra o assalto da especulação imobiliária. Especulação imobiliária que então começava a alastrar pelas quintas dos arredores, a começar pelo bairro dos Capuchos, ao abrigo da famigerada lei marcelista dos loteamentos urbanos.
O trabalho que aquele grupo de cidadãos realizou e expôs na Praça Rodrigues Lobo que, para o efeito conseguiu que fosse dominío do peão (o que acabou por persistir até hoje) denominava-se, significativamente, "O saque da cidade de Leiria".
Pois não fora esse excepcional movimento de consciência cidadã e o subsequente desfecho do "concurso do imóvel a construir no local onde se situa o mercado de Santana" e Paulo Morais poderia teria feito a sua conferência neste local, mas na sala interior de um trivial edifício comercial multipiso.
A especulação imobiliária é precisamente um dos principais "cavalos de batalha" de Paulo Morais que decidiu dedicar cinco anos da sua vida ao combate à corrupção política com o "antídoto" da "transparência e integridade", denunciando a corrupção e combatendo-a nos tribunais.
Já lá vai um ano e, diz Paulo Morais que emigrará se tudo continuar na mesma daqui a quatro anos, pois é para ele insuportável assistir ao definhar da sua terra por via da corrupção política que hoje campeia em Portugal!
Temo que Paulo Morais, para cumprir a "promessa", tenha que vir a emigrar, pois me questiono se é a corrupção dos políticos que está na raiz do mal que nos faz definhar, no contexto de uma crise que trouxe, segundo Paulo Morais, "a degradação ética nos negócios".
Estou em crer que, na "sociedade de mercado", o "mal" é sistémico, de um sistema dominante que corrompe porque não se rege por leis morais - ironia dos nomes!- uma vez que segue a lógica da eficácia lucrativa, a lógica "do maior ganho monetário realizado principalmente através da inovação" que é a "lógica do capitalismo" segundo um dos seus pensadores: François Perroux.
"O capitalismo usa e corrompe. É um enorme consumidor de seivas cuja ascensão não ordena", prossegue Perroux que conclui: " Os chefes políticos necessitam de raro sangue frio no diagnóstico e de excepcional energia na administração da terapeutica".
Só a instauração de uma democracia autêntica, feita de integros chefes políticos apoiados em cidadãos intervenientes, poderia fazer frente à oligarquia que domina a Grande Banca e as ETN em que hoje se concentra o poder, por via do "darwinismo social" que conduziu a um capitalismo de compadrio (crony capitalism) à escala global.

Saturday, June 08, 2013

O sono da razão

"O sono da razão produz monstros" (Francisco Goya, 1797-99)


Lendo o osbcurantismo católico no tenebroso fundo povoado de morcegos que não vêem e a luz da razão no primeiro plano iluminado em que emergem mochos que vêem de noite e, ao lado o gato que vê de noite e de dia, pode-se questionar se o sueño de Goya é sono mas também sonho da razão... tendo em conta as atrocidades cometidas pelas hostes de Napoleão que Goya presenciou.
É que também os excessos da razão produzem monstros!

Monday, June 03, 2013

Convergências

A resistência da natureza que impõe limites ao crescimento económico "sistematizados" no Relatório Meadows, bem como a resistência da sociedade à "Grande Transformação" segundo Karl Polanyi, acentuam os conflitos internos que ameaçam a gestão capitalista da sociedade moderna, "maquinista" (Lewis Mumford), em que "a mecanização toma o comando" (Siegfried Giedion) em detrimento da "nobreza de espírito" (Rob Rieman). Uma "revolução acidental" para Michael Harrington, efeito conjugado da "tecnologia e hubris" segundo Bateson.

O capitalismo que Karl Polanyi identifica com a "economia de mercado", torna-se cada vez mais "insustentável" -daí a popularidade deste conceito, à esquerda e à direita- por via de "rendimentos marginais decrescentes", segundo Joseph Tainter.
Esta crescente insustentabilidade condena desde já o Ocidente ao "crescimento zero" (Nicholas Georgescu-Roegen, Herman Dally) ou mesmo ao "decrescimento" ("palavra-obus" para Serge Latouche), ou seja à "austeridade", na fase de convergência" global (Hervé Kempf), em que o centro de gravidade da "industrialização" se desloca para oriente.

Temos que escolher, não entre a austeridade e o crescimento, mas entre a austeridade econocrática da "sociedade de mercado" gerida pelos "ricos" no seu interesse exclusivo e a austeridade democrática ("convivencial", Ivan Illich), tendo no horizonte o "colapso" que desta vez será global.
Este espírito austeritário convivencial embui correntes alternativas como a da Permacultura no paisagismo e de James Howard Kunstler no urbanismo. Na minha recente participação num curso de permacultura, apercebi-me de que a austeridade implica sacrifícios que poucos de nós estão dispostos a fazer, pois lembram dificuldades antigas e contrariam facilidades recentes. Será essa a principal razão que leva ao conformismo persistente na esperança de que a "borrasca" passe... ou de que o pior venha depois de nós?
O "darwinismo social" da "sociedade de mercado" não favorece o espírito comunitário, mas sim o individualismo a par da massificação tecnológica. A crescente hostilidade do meio leva à retração dos indivíduos no "mundo de fantasia" de uma "segunda realidade", o que agrava a fragmentação social: "o processo de privatização é acelerado pela crescente inabitabilidade do que resta do espaço público. Consequentemente, aumentou a dependência dos indivíduos da fartura de meios tecnológicos de compensação - caso dos bens de consumo - a ponto de, a base real da estabilidade social, se tornar paradoxalmente dependente do avanço contínuo da autonomia por via de um consumo crescente. No seio do cidadão isolado alberga-se, não o anseio por um padrão ancestral mais simples de obrigações comunitárias, mas o desejo desesperado de um nirvana induzido pelo mercado, para obliterar os medos de um futuro aparentemente bloqueado por crises insolúveis". Assim via Martin Pawley (em The Private Future, Thames & Hudson, 1973) a civilização ocidental em que estamos embarcados, concluindo: "Se falhar o objectivo sistémico da abundância ocidental, o que ficará não será um sentido comunitário por via da austeridade, mas um colapso social absoluto, faltando a segurança proporcionada pela entreajuda e pelo apoio familiar." É o cenário do colapso por não conseguirmos abandonar a "sociedade de mercado". Neste caso a austeridade estaria forçosamente do lado dos "bárbaros".
A austeridade cabe muito bem na teoria do colapso de Joseph Tainter (The collapse of complex societies, Cambridge University Press 1988) situando-se a "econocrática" no quadro de um capitalismo persistente e a "convivencial" do lado das resilientes comunidades post-industriais (post-capitalistas), com rendimentos marginais mais favoráveis, tal como ocorreu no colapso das civilizações do passado.