Reflexões Planetárias

Friday, June 25, 2010

O mítico capitalismo

O CAPITALISMO radica-se numa visão EGOISTA e possessiva do mundo, centrada no "MODO DE TER": Indivíduos sem vínculos sociais e ecológicos, lutam entre si e contra a natureza, numa insanável COMPETIÇÃO pelo PODER que se traduz na ACUMULAÇÃO DE CAPITAL.
Tudo o resto vem por acréscimo.
O bem e o mal.
Max Weber, em "A ética protestante e o espírito do capitalismo", ligou a acumulação de riqueza do capitalista bem sucedido na vida aos sinais de salvação do calvinismo.
Lynn White radica na Bíblia (Génesis, Cap.1:28) a ideia de dominar a Natureza, mas é sem duvida na Sociedade Moderna que a Natureza é dessacralizada e reduzida a mecanismos físicos a instumentalizar. Assim avisava Francis Bacon: "Nature, to be commanded must be obeyed" .
Saliento em maiúsculas os principais ingredientes duma congeminação pessimista do mundo que para mim configura um verdadeiro pesadelo.
É porventura a mais sombria congeminação da filosofia social vitoriana que precede a teoria de Charles Darwin, mas que depois veio a ser designada por DARWINISMO SOCIAL, o que lhe empresta o carácter inevitável das leis da natureza, à luz da ciência determinista da época.
Com o andar dos tempos aconteceu o que se poderia esperar: a degradação das nossas relações com a Natureza e aquilo que já os "pais fundadores" da nação americana temiam: uma conflituosa e crescente desigualdade social num processo de acumulação que conduziu à concentração do poder em instituições bancárias e empresas transnacionais. Entidades monstruosas e impessoais, verdadeiras máquinas de acumulação de poder criadas pelos homens, cuja lógica mecanicista domina o criador.
O capitalismo revela-se assim uma sombria deriva maquinista em que se esvai o humanismo iluminista, num rosário de atrocidades que enegrecem a história da "Ocidentalização do Mundo" (Serge Latouche).
Um desumanismo pseudo-naturalista!
Não é isto a versão moderna do MITO DA MÁQUINA... ou a versão "cripto-vitalista" da modernidade, em que imperam impulsos primitivos sob a batuta de automatismos enrijecidos nas estruturas sociais?
Mas há outras versões não maquinistas que valorizam a vida e a cooperação e contestam o caracter redutor do darwinismo social. Vem a propósito salientar a primeira e imediata resposta ao darwinismo social hobbesiano e, em particular ao "Strugle for Existence and its Bearing upon Man" de Thomas H. Huxley. Refiro-me à obra do geógrafo Piotr Kropotkin publicada no ano de 1902, em Inglaterra onde estava exilado.
"Mutual Aid - A Factor of Evolution" está recheada de expressivos exemplos de cooperação no mundo animal colhidos nas expedições cientificas que o autor realizou na Sibéria Oriental e no Norte da Manchúria, bem como nas sociedades humanas primitivas, medievais e mesmo na sociedade moderna "apesar das vicissitudes da história" (*).
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(*) A importância da cooperação na Natureza, defendida pelo Piotr Kropotkin, é revisitada pelo biologo Lee Alan Dugatkin, em "The Prince of Evolution". Actualmente, a cooperação na Natureza é uma das questões quentes da biologia da evolução.

Wednesday, June 23, 2010

A máquina

"(...) a minority-manipulated majority-manipulating device"
Lewis Mumford, The Pentagon of Power
Em "O Mito da Máquina", a máquina não é para Lewis Mumford apenas um dispositivo, um instrumento por nós inventado para realizar um determinado trabalho físico e que nos poderá facilitar a nossa vida prática.
A máquina de que fala Mumford é fruto de uma maneira de ver, de imaginar o mundo "como se fosse uma máquina".
Essa máquina é, historicamente, fruto do "Mito da máquina".
Nestes termos, não serão as máquinas que poderão ganhar uma "consciência mecânica" amoral e tomar o poder, tal como receia Samuel Butler no Livro das máquinas de Erewhon. Somos nós que, perseguindo o sonho ou pesadelo maquinista, nos subordinaremos ao determinismo ou porventura a um indeterminismo maquinista, fruto da congeminação dos maquinistas.
Agora se estes conseguem ou não ficar acima da máquina, no comando das operações, senhores do poder absoluto, afinal o nec plus ultra do maquinismo, isso não é líquido.
Para mim não me parece mesmo nada líquido, mas que sei eu!
A propósito, é nesse sentido que vai a maior parte da ficção científica e é nesse sentido que vai o capitalismo!


É preciso notar que para Mumford o símbolo, o significado, a imaginação, o mito, sonho ou pesadelo, precede o utensílio, a coisa que se vê, sente ou faz. O mundo à nossa volta não existe para nós sem essa elaboração mental fundadora que dá um sentido a nossa vida.
Mas não poderemos nós imaginar outros mundos não subordinados ao mito da máquina, em que não abusamos da máquina em prejuízo de "outras dimensões" que podemos "desencantar" na vida?


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Nota: A primeira imagem encontra-se aqui e reproduz a "Exaltação do Maquinismo" do pintor de pendor abstrato Victor Servrandankx, para quem a Obra de Arte não não era o objecto, "mas o conteúdo intrínseco, a qualidade, no tempo e no espaço, de uma experiência vital construtiva e criativa".

Sunday, June 20, 2010

Arquitectura e utopia

À utopia de uma vida melhor para todos contrapõe-se um processo distópico de dominação que hoje se globaliza rumo ao "admirável mundo novo".

Faço corresponder estes dois mitos aos dois "paradigmas" da tabela ao lado (1), na qual James Marston Fitch traduz "em termos de arquitectura" os "dois polos taoístas da consciência" (2).

A torre (ex)Swiss Re serve de exemplo de aplicação (sublinhado a vermelho e azul).
Este "Pepino"(?) de Foster revela-se vincadamente "yang". Foi aliás a impressão que colhi na visita ao local.

A sua forma de bala estriada não me pareceu amigável e acolhedora.

Questiono-me se as formas ortogonais não podem ser acolhedoras e amigáveis, assim como as formas arredondadas não podem ser, pelo contrário significativamente repulsivas.

Quanto à qualidade energética, a minha classificação não segue os pergaminhos que são atribuídos a este edifício de Norman Foster, pois que, segundo as informações como esta que compulsei, não preponderam nele materiais "de baixo conteúdo energético", nem se adivinha na realidade notável o comportamento energético do edifício.


(1) Fitch, J. M.(1991). Making Sense of Architecture. The Architectural Review, pg.s 68-70, nº 1136, October 1991
(2) Os dois polos taoístas da consciência, yin e yang, são categorias da filosofia clássica chinesa que, de um lado indicam o feminino, o negativo, o obscuro, o frio, o terrestre, o material e, do outro, indicam o masculino, o positivo, o luminoso, o quente, o celeste, o espiritual. Têm estre si uma relação de oposição, mas também complementar, isto é, cada uma está com a outra numa relação de mútua exclusão. A unificação e a complementaridade dos dois princípios são representadas pela imagem do Tao.. em que os pontos branco e preto indicam que cada uma das metades, preta e branca, trás dentro de si a representação da outra oposta. (Paolo Francisco Petri em "Dicionário Junguiano", pg 520, Editora Vozes, 2002)

Friday, June 11, 2010

Arquitectura e escultura

Tentar distinguir a arquitectura pelo que a distingue da escultura ajuda-nos a esclarecer o nosso entendimento de uma e outra.
As formas da arquitectura “só se distinguem das formas escultóricas por conterem interioridades”, dizia o Prof. Augusto Brandão no Jornal dos Arquitectos (JA, 1987)
Definição de inquietante simplicidade!
Ficou-me ela a remoer até hoje. Hoje aceito-a com quatro objecções, mais uma que distancia a arquitectura da escultura.
Primeira objecção: Na arquitectura, as interioridades são primárias e não secundárias... e a escultura também pode tê-las, como a de Henri Moore, mas isso para o caso é secundário;
Segunda objecção: Na arquitectura, essas interioridades são interioridades habitadas, em que nós entramos. É uma objecção interrogada, pois admito que Augusto Brandão o tivesse em mente;
Terceira objecção: Na arquitectura, a ordem sensível conjuga-se com a ordem prática da utilização que lhe é inerente. Na escultura, como na pintura, não é;
Quarta objecção: Na arquitectura, o sítio é fundamental. Na escultura, como na pintura, não é. Esta objecção é hoje relevante face á contextualização e à sustentabilidade da arquitectura, acentuadas pelas actuais preocupações sociais e ecológicas;
E agora a quinta objecção que diferencio das restantes por questionar a própria acepção escultórica da arquitectura.
Steen Eiler Rasmussen , depois de encarar a arquitectura no sentido visual, como "sólidos e cavidades", encara-a como um espaço construído com planos, assim como pode sê-lo por meio de propriedades que o relacionam com o nosso corpo e apelam para a vista e outros sentidos como a cor, a luz, o calor, as vibrações audíveis. É a arquitectura "omnisensorial" que Richard Neutra defendeu, na teoria mais do que na prática (?), contra as abstracções do "arquitecto euclidiano".
Rasmussen fala de algumas delas na construção de um espaço perceptual. A arquitectura como construção do espaço na ordem fenomenológica, na ordem sensível dos "qualia", não pode circunscrever-se à sua acepção escultórica de "volumes e cavidades".