Duas versões (haverá mais) sobre o regresso-aos-mercados relâmpago que ribomba por todos os orgãos de comunicação social:
-A versão do governo nas palavras de Silva Pereira: "Portugal, graças à política de austeridade do Governo e aos sacrifícios dos portugueses, está a cumprir as metas do programa de ajustamento; é porque está a cumprir que teve agora condições para pedir e beneficiar de mais tempo no pagamento da dívida contraída junto da ‘troika' e é também porque está a cumprir que conseguiu o regresso antecipado aos mercados. Em suma, tudo valeu a pena. Não é que esta história não tenha a beleza das coisas simples e até o encanto do final feliz - mas tem um pequeno problema: não é verdade. Não passa de uma encenação, sem qualquer correspondência com a vida real."
Concordo com Silva Pereira.
-A versão veiculada por Manuel Pureza que considero verdadeira por se conformar com a actual conjuntura politico-económica europeia e nacional: "O regresso aos mercados não é o resultado da lucidez e sagacidade do Governo português. A lucidez, neste caso, tem perna curta: aceder aos mercados é uma das condições fixadas pelo BCE em setembro para a dívida de um Estado ser suscetível de compra pelo banco. O que o Governo agora anuncia com pompa como sendo uma vitória sua não é afinal mais do que um requisito de uma política europeia que o mesmo Governo sempre combateu. (...) Portugal regressou aos mercados no mesmo dia em que o Eurostat tornou público que a dívida pública portuguesa atingiu o seu valor mais alto de sempre. Do segundo para o terceiro trimestre de 2012, a dívida passou de 117,4% para 120,3% do PIB, sendo a terceira mais elevada da UE, a seguir à Grécia e à Itália."
Mas este regresso-aos-mercados é um assunto de bancos.
Para nós, regresso-aos-mercados só se for assim, de burro...
... pelo caminho do empobrecimento levados, levados sim, pela política de austeridade pautada pela contenção do deficit orçamental, do mais vendilhão de todos os governos que nos acorrentaram a esta eurolândia cada vez mais germanizada em que nos estamos a afundar.
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Adenda
29Jan13: Ao contrário do que previam alguns atentos economistas da nossa praça, a banca portuguesa não ficou com o grosso da emissão anunciada que, para surpresa de alguns teve "hedge funds" entre os compradores! Aventuro-me a admitir que talvez a explicação disto resida em parte no facto de que "o refugio de último recurso para os mais de $700 triliões do mercado de derivados, são hoje os dividas soberanas" (como é explicado na newsletter de 14 de Novembro de 2012 de Gains and Pains & Capital). Myret Zaqui tem vindo a chamar a atenção para o papel dos fundos especulativos no negócio das dividas soberanas. O capitalismo no seu pior!
...e é como dizia um grande mestre desta profissão: Con arte y con engaño vivo la metade del año; e con engaño y arte vivo la otra parte.
Padre António Vieira
Era uma vez uma terra feliz e próspera... até que os "ricos", na mira de ser mais ricos, vêm com a "habilidosa" ideia de se furtar aos impostos:
Colagens com mais "habilidades" dos ricos e poderosos, por cá:
Colagem 1: Transcrição manual da intervenção de António Costa no programa "quadratura do círculo" (Recebida por e-mail. Autor desconhecido):
“A situação a que chegámos não foi uma situação do acaso. A União Europeia financiou durante muitos anos Portugal para Portugal deixar de produzir; não foi só nas pescas, não foi só na agricultura, foi também na indústria, por ex. no têxtil. Nós fomos financiados para desmantelar o têxtil porque a Alemanha queria (a Alemanha e os outros países como a Alemanha) queriam que abríssemos os nossos mercados ao têxtil chinês basicamente porque ao abrir os mercados ao têxtil chinês eles exportavam os teares que produziam, para os chineses produzirem o têxtil que nós deixávamos de produzir. E portanto, esta ideia de que em Portugal houve aqui um conjunto de pessoas que resolveram viver dos subsídios e de não trabalhar e que viveram acima das suas possibilidades é uma mentira inaceitável. Nós orientámos os nossos investimentos públicos e privados em função das opções da União Europeia: em função dos fundos comunitários, em função dos subsídios que foram dados e em função do crédito que foi proporcionado. E portanto, houve um comportamento racional dos agentes económicos em função de uma política induzida pela União Europeia. Portanto não é aceitável agora dizer… podemos todos concluir e acho que devemos concluir que errámos, agora eu não aceito que esse erro seja um erro unilateral dos portugueses. Não, esse foi um erro do conjunto da União Europeia e a União Europeia fez essa opção porque a União Europeia entendeu que era altura de acabar com a sua própria indústria e ser simplesmente uma praça financeira. E é isso que estamos a pagar!
A ideia de que os portugueses são responsáveis pela crise, porque andaram a viver acima das suas possibilidades, é um enorme embuste. Esta mentira só é ultrapassada por uma outra. A de que não há alternativa à austeridade, apresentada como um castigo justo, face a hábitos de consumo exagerados. Colossais fraudes. Nem os portugueses merecem castigo, nem a austeridade é inevitável.
Quem viveu muito acima das suas possibilidades nas últimas décadas foi a classe política e os muitos que se alimentaram da enorme manjedoura que é o orçamento do estado. A administração central e local enxameou-se de milhares de "boys", criaram-se institutos inúteis, fundações fraudulentas e empresas municipais fantasma. A este regabofe juntou-se uma epidemia fatal que é a corrupção. Os exemplos sucederam-se. A Expo 98 transformou uma zona degradada numa nova cidade, gerou mais-valias urbanísticas milionárias, mas no final deu prejuízo. Foi ainda o Euro 2004, e a compra dos submarinos, com pagamento de luvas e corrupção provada, mas só na Alemanha. E foram as vigarices de Isaltino Morais, que nunca mais é preso. A que se juntam os casos de Duarte Lima, do BPN e do BPP, as parcerias público-privadas 16 e mais um rol interminável de crimes que depauperaram o erário público. Todos estes negócios e privilégios concedidos a um polvo que, com os seus tentáculos, se alimenta do dinheiro do povo têm responsáveis conhecidos. E têm como consequência os sacrifícios por que hoje passamos.
Enquanto isto, os portugueses têm vivido muito abaixo do nível médio do europeu, não acima das suas possibilidades. Não devemos pois, enquanto povo, ter remorsos pelo estado das contas públicas. Devemos antes exigir a eliminação dos privilégios que nos arruínam. Há que renegociar as parcerias público--privadas, rever os juros da dívida pública, extinguir organismos... Restaure-se um mínimo de seriedade e poupar-se-ão milhões. Sem penalizar os cidadãos.
Não é, assim, culpando e castigando o povo pelos erros da sua classe política que se resolve a crise. Resolve-se combatendo as suas causas, o regabofe e a corrupção. Esta sim, é a única alternativa séria à austeridade a que nos querem condenar e ao assalto fiscal que se anuncia."
Colagem 2: Nota recebida por e-mail sobre a demissão de Nogueira Leite da Administração da CGD:
"Em declarações ao jornal Público, António Nogueira Leite declarou que se demitiu da Administração da Caixa porque a sua missão nesta instituição foi cumprida. Creio que, desta vez, foi verdadeiro …
Veio da administração do grupo Mello e voltará agora para a administração do grupo Mello .
Declarou ao jornal que o fazia porque a missão com que veio para a Caixa estava cumprida :
Veio realizar a OPA do grupo Mello sobre a Brisa e “desalavancar” a dívida do grupo Mello à banca. Em Agosto passado os Mellos compraram de manhã uns milhões de ações da Brisa a 2,75 € cada , principalmente a pequenos acionistas, e entregaram-nas à tarde a três bancos – CGD, BCP e BES – a 6 € cada ação, preço que os bancos consideraram ser o “justo valor” do título.
No conjunto do lote das ações, os Mellos ganharam 375 milhões de euros, segundo noticiou então o “Diário Económico”. Acrescentava ainda esse jornal que a operação permitiu dar um novo fôlego ao grupo que estaria então à beira da rutura financeira.
António Nogueira Leite cumpriu a missão com que veio para a Caixa, nomeadamente para a Administração do Caixa BI, Banco de Investimento que, num espaço de dois meses, publicou um “research” a aconselhar o público a comprar as ações da Brisa até ao preço de 3,75 €, montou uma OPA sobre as ações da Brisa aonde os Mellos pagaram 2,75 € por ação e avaliou as mesmas ações a 6 € para serem entregues aos bancos credores do grupo Mello (1).
Bye bye, António Nogueira Leite. Continuação de boa carreira no grupo Mello. E não cumpra a ameaça de emigrar para não pagar impostos, pois em muitos Países, que têm leis rigorosas sobre o mercado de capitais, a atuação descrita no parágrafo anterior daria lugar a prisão ou pelo menos ao pagamento de uma avultadíssima multa ..."
Colagem 3: Nota recebida por e-mail sobre a venda da ANA Á Vinci:
"O casamento da ANA, uma historieta que tem tudo para sair muito cara.
Falemos de coisas concretas e consumadas.
Passo a explicar:
A ANA geria os aeroportos com lucros fabulosos para o seu pai, Estado, que, entretanto falido, leiloou a filha ao melhor pretendente. Um francês de apelido Vinci, especialista em auto estradas e mais recentemente em aeroportos, pediu a nossa ANA em casamento.
E o Estado entregou-a pela melhor maquina (três mil milhões de euros), tornando lícita a exploração deste monopólio a partir de uma base fabulosa: 7% de margem de exploração (EBITDA).
O Governo rejubilou com o encaixe. Mas, vejamos a coisa mais em pormenor...
O grupo francês Vinci tem 37% da "luso-ponte", uma PPP (Parceria Público-Privada) constituída com a "mota-senil" e assente numa especialidade nacional: o monopólio (mais um) das travessias sobre o Tejo.
Ora é por aqui que percebo por que consegue a Vinci pagar muito mais do que os outros concorrentes pela ANA.
As estimativas indicam que a mudança do aeroporto da Portela para "colchete" venha a gerar um tráfego de 50 mil veículos e camões diários, entre Lisboa e a nova cidade aeroportuária.
É fazer as contas, como diria o outro...
Mas isto só será lucro quando houver um novo aeroporto. Sabemos que a construção de "colchete", só depende da saturação da Portela. Para o fazer, a Vinci tem a faca e o queijo na mão.
Para começar pode, por exemplo, abrir as portas à Ryanair. No dia em que isso acontecer, a low-cost irlandesa deixa de fazer do Porto a principal porta de entrada, gerando um desequilíbrio turístico ainda mais acentuado a favor da capital. A Ryanair não vai manter 37 destinos em direcção ao Porto, se puder aterrar também em Lisboa.
Portanto, num primeiro momento, os franceses podem apostar em baixar as taxas para as low-cost e logo os incautos aplaudirão. Todavia, a prazo, gerarão a necessidade de um novo aeroporto através do aumento de passageiros.
Quando isso acontecer, a Vinci (certamente com os seus amigos da "mota-senil" monta um apetecível sindicato de construção (a sua especialidade) e financiamento (com bancos parceiros). A obra do século em Portugal. Bingo !
O Estado português será, certamente, chamado a dar avais e a negociar com a União Europeia fundos estruturais para a nova cidade aeroportuária de "colchete". Bingo !
A Portela, ficará livre para os interesses imobiliários ligados ao Bloco Central que sempre existiram para o local. Bingo !
Mas isto não fica por aqui, porque não se pode mudar um aeroporto para 50 kms de distância da capital, sem levar o comboio até lá. Portanto, é preciso fazer-se uma ponte ferroviária para ligar "colchete" ao centro de Lisboa.
E já agora, com tanto trânsito, outra para carros (ou em alternativa apenas uma ponte, rodoferroviária). Surge portanto, e finalmente, a prevista ponte Chelas-Barreiro (por onde, já agora, pode passar também o futuro TGV Lisboa-Madrid). Bingo !
E, já agora: quem detém o monopólio e know-how das travessias do Tejo ?
Exactamente, a "luso-ponte" ("mota-senil" e Vinci). Que concorrerá à nova obra.
Mas, mesmo que não ganhe, diz o contrato com o Estado, terá de ser indemnizada pela perda de receitas na Vasco da Gama e 25 de Abril por força da existência de uma nova ponte. Bingo !
Um destes dias, acordaremos, portanto, perante o facto consumado: o imperativo da construção do novo grande aeroporto de Lisboa, em "colchete", a indispensável terceira travessia sobre o Tejo, e a concentração de fundos europeus e financiamento neste colossal investimento na capital.
O resto do país, nada tem a ver com isto porque a decisão não é política. É privada... é o mercado... E far-se-á.
Sem marcha-atrás, porque o contrato agora assinado já o previa, e todos gostamos muito de receber três mil milhões pela ANA, certo ?
O casamento resultará nisto: se correr bem, os franceses e grupos envolvidos ganham, nós nem por isso!
Correndo mal, pagamos nós.
Se ainda estivermos em Portugal... claro!"
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(1) Assim sendo, a demissão não estará relacionada com um mal-estar que se instalou nos últimos meses entre o economista e a gestão liderada por Faria de Oliveira... ou também estará? Quem sabe!
"Um estado eficiente e efectivo capacita os cidadãos e confere-lhes poderes para lidar com as exigências de uma economia global. Em muitos países, o estado deixou de ser um fornecedor de serviços (ou o único fornecedor de serviços) para ser um definidor e supervisor de normas, enquanto que o fornecimento dos serviços em si é entregue ao sector privado. Tomar o estado como um activador ou facilitador tem importantes implicações em muitas áreas. Por exemplo na educação, e apesar das reformas recentes, o estado Português pretende ainda fazer (quase) tudo: fornece a educação, estipula normas de qualidade, avalia o (seu próprio) desempenho, e zela pelo cumprimento das normas. No entanto, o estado tem vindo a ficar para trás na qualidade da educação: das 50 escolas de topo, 44 são privadas, 4 são escolas cooperativas e só 2 são escolas públicas. Recentrando o estado na fixação de normas de qualidade e na avaliação dos prestadores de serviços de educação, poderia promover estudantes melhor equipados e de elevado nível, que é o referencial último do sucesso. O estado deveria pois procurar opções para promover maior eficácia sem deixar de custear e assegurar o igual acesso à educação. A existência de uma verdadeira competição da parte de diversos prestadores significa que mesmo quando o estado fornece os serviços directamente, ele tem que se confrontar com o “teste de mercado” da aprovação pelos beneficiários que dispõem de alternativas."
Eis um parágrafo do "Relatório do FMI" que tive a oportunidade de verter de inglês para português, participando na "tradução colaborativa" deste documento lançada pelo blog AVENTAR; uma iniciatíva democrática de grande oportunidade e alcance.
Pela amostra, este relatório com a chancela do FMI e que tem entre os seis autores um português(1), mais parece uma cartilha neoliberal, mas urge agora escalipelizá-lo numa análise "colaborativa" multidisciplinar e aberta a toda a sociedade civil que nos poderá ajudar a abrir o túnel em que estamos soterrados, rumo a um projecto colectivo mobilizador (2).
Se assim não acontecer será mesmo uma cartilha, encomendada pelo governo, com vista a montar um estado econocrático e, para já, a justificar perante a opinião pública, as medidas de privatização e desmantelamento do "estado social", subjacentes aos badalados cortes orçamentais.
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(1) Um dos co-autores desta "cartilha" é Paulo Lopes que há dois anos, segundo a revista SÁBADO era ainda funcionário do FMI, mas a trabalhar em Bruxelas, na Representação Permanente de Portugal (Reper) junto da Comissão Europeia.
Paulo Silva Lopes, um economista realizado - “Para um economista, trabalhar no FMI é como um futebolista jogar no Real Madrid”, segundo as suas palavras - tinha "boas" razões para tal: “Aos 27 anos, estava a fazer o orçamento da Suazilândia”... O que leva a admitir que "metendo as mãos na massa" nesse orçamento, como ele diz na entrevista, estava a colaborar nos desastrosos Programas de Ajustamento Estrutural do FMI que dilaceraram os países do "terceiro mundo". Um português que, porventura toldado pelo "seu" modelo ideológico, bem distante da nossa realidade social, está agora a colaborar na dilaceração do seu país!
(2) Nota(14.01.13): O rascunho da tradução do "Relatório" está publicado aqui.
O crescendo obstinado da Gruta do Rei da Montanha de Grieg traz-nos, por música, a história de Peer Gynt que decerto inspirou Steve Cutts.
Peer Gynt, esse arquétipo europeu individualista, feito de hubrístico prazer e engenho, vai saltitante por este mundo fora, deixando atrás de si um rasto de destruição e morte.
Na linear animação de Steve Cutts, a história acaba mal: Peer Gynt autocoroa-se rei da sua lixeira universal, é encontrado por dois alienígenas, esmagado e atirado para... o lixo!
Passo por cima da discrepancia entre esta interpretação psicanalítica do anti-heroi de Ibsen e o Homem de Cutts. Segundo os entendidos, o homem moderno só teria chegado à Europa há cerca de 40000 anos. Recuando até aos 500000 anos, a história de Steve Cutts começa com a chegada do Homo sapiens !
Mas esta história não atingiu o paroxismo na moderna economia de mercado? A produção cresce e, com ela, as montanhas de lixo: "The more it extends the volume of production, the more it must bury everything under mountains of suffocating vast". Para István Mészáros, "o conceito de economia é radicalmente incompatível com a "economia" de produção capitalista que, necessáriamente, somando o insulto à injúria, esgota primeiro com rapacidade os recursos limitados do planeta e depois agrava as consequências, poluindo e envenenando o ambiente com lixos e efluentes produzidos em massa."