Três arquitectos que projectaram com o clima
Em regra, os arquitectos portugueses não projectam metódicamente com o clima, pelo que estamos longe de aproveitar bem as potencialidades da arquitectura para satisfazer exigências de salubridade e conforto que crescem com o envelhecimento da população, a penetração de novos padrões de vida e as alterações climáticas.
Uma falta que tem vindo a ser apontada aos arquitectos portugueses, pelos engenheiros mecânicos que estão empenhados na resposta ao abuso das "máquinas" - subentenda-se, sistemas de aquecimento, ventilação e ar condicionado... sobre os quais recaem solicitações que podiam e deviam ser minoradas ou mesmo evitadas pela arquitectura.
É uma falta que vem das escolas e que só nas escolas poderá ser cabalmente corrigida. O mal é geral e abrange os arquitectos premiados, pois que a adaptação climática e a qualidade térmica não fazem parte, em regra, dos critérios de qualificação da arquitectura.
Como exemplo e para que NÃO se pense que os arquitectos consagrados só agora consideram a integração da qualidade térmica e o clima porque o binómio energia-ambiente está "na moda", vou apresentar três exemplos comentados, com mais de cinquenta anos, dos arquitectos Alvar Aalto, Frank Lloyd Wright e Richard Neutra.
Há mais bons exemplos,claro! Muitos deles bem recentes, mas precisam de ser comentados. Também há maus, de arquitectos que falavam do Sol e do clima, como Le Corbusier, cujas incongruências ambientais são escalpelizadas por Reyner Banham em The Architecture of the Well-Tempered Environment sob o título Machines à habiter.
A avaliação do desempenho ambiental de grandes obras de arquitectura aplicando conhecimentos e meios hoje disponíveis é uma forma de aprender a projectar com o clima que começou a ser explorada em escolas americanas.
Passo aos exemplos.
Alvar Aalto
No Instituto Nacional de Pensões (1952-56) encontra-se este pormenor recolhido por Boyne(1), no qual Alvar Aalto, de harmonia com o clima frio e pouco ensoalhado de Helsínquia combina, com rigorosa elegância, o isolamento térmico e a iluminação natural, numa fachada de marcada horizontalidade em que a altura do vão predomina sobre a do pano de peito, pelo artifício de um chanfro na lage que, sobreelevando a verga, faculta mais luz vinda do céu para o fundo da sala.
Ao cuidado posto no vidro duplo encaixilhado em madeira, corresponde o isolamento térmico das paredes, entre um pano exterior de tijolo maciço e um pano interior de betão estrutural, sem descurar as "pontes térmicas".
O perfil de cobre que proteje a correcção térmica da ponta da lage que aflora na fachada, contribui para a sua marcada horizontalidade.
Frank Lloyd Wright
Frank Lloyd Wright manifestava uma aguda sensibilidade ás particularidades do sítio, com referências expressas ás condições climáticas locais (2).
Projectou desde o início da sua actividade, diversos edifícios localizados no Estado de Wisconsin, na fronteira norte dos US, junto aos Grandes Lagos. O seu moínho de vento "Romeu e Julieta", de 1895, tinha ele então vinte e seis anos, é um deles. A Casa Jacobs II (1943) é outro.
Na região de Wisconsin impera um clima continental, mais extremado do que aquele que ocorre na Serra da Estrela, com oito meses em que se faz sentir um frio seco.
Respondendo aos ventos fortes que fustigam o local, nas imediações de Middleton, a Casa Jacobs II protege-se deles por taludes (hearth bearming) a norte e enconcha um jardim abrigado a sul, abrindo-se ao sol de Inverno através de um grande envidraçado que, acusando o duplo pé-direito, contribui para a unidade espacial que caracteriza o projecto.
Os rústicos paramentos interiores de pedra à vista das paredes maciças, expõem-se à radiação solar que penetra no interior, possuindo assim, esta casa os dois componentes do que, cerca de trinta anos mais tarde se veio a designar por sistema solar passivo de ganho directo: aberturas concentradas a Sul e massas de armazenamento de calor.
Parece-me que o grande ponto fraco desta casa, comprovado em outras, é a conservação do calor. Wright não teve os cuidados de Alvar Aalto com a "envolvente". É drástica a falta de isolamento térmico, sobretudo na cobertura, os vidros são simples e a vedação deficiente. Isso aliado a uma inércia porventura excessiva prejudicou o comportamento térmico da casa que os Jacobs aguentavam com um familiar estoícismo... e grande quantidade de lenha!
A Casa Jacobs II foi agitadamente vivida por muita gente durante mais de 50 anos, tendo sido recentemente reabilitada pelo casal Moore.
Richard Neutra
Participando de um jogo subtil de planos, a cobertura balançada da Residência Kronish (Beverly Hills, 1955) que parece flutuar sobre o terreno, complementa o extenso envidraçado virado a sul, protegendo-o do sol e contribuindo para que o interior se prolongue para o exterior, através de um espaço de transição para o jardim.
Richard Neutra explorou até aos limites, em composições leves e transparentes, a oscilação entre Invernos primaveris e Verões suaves do clima ameno que ocorre na California. Um espaço fluído interpenetrando o interior e o exterior abre-se, através de envidraçados corridos, ás variações da luz natural e à contemplação da paisagem que ele compara a um banho reconfortante, feito de prazer e distensão.
Segundo Neutra, para quem o desenho asssentava em bases fisiológicas, a arquitectura é omnisensorial e não uma abstração euclidiana.
O biorealismo de Richard Neutra designa uma "conduta inteligente para com a Natureza", incluindo nela a natureza humana, em oposição ao consumismo "daqueles que lêem os reclamos luminosos que lhes ensinam a gastar as suas economias ás prestações" (3).
"Conduta inteligente para com a Natureza" é, para Neutra, projectar com a Natureza formas de domesticar o Meio Natural na acepção baconiana: "Nature to be commanded must be obeyed"(4).
O que motivou o casal Kronish a encomendar o projecto da sua residência e a levá-lo a bom termo? Eles que, á partida, rejeitaram explicitamente a natureza domesticada nas caixas de Neutra, com coberturas planas, pavimentos radiantes e portas de correr!
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(1) D. A. C. A. Boyne, Architects working details, The Architectural Press, London, 1951
(2) Nos anos cinquenta do século passado Wright defendia judiciosamente o que hoje se designa por "conforto adaptativo", um conceito que só recentemente foi reconhecido no meio técnico-científico: "The human body is able continually to adjust itself - to ad fro. But if you carry these contrasts too far too often, when you are cooled the heat becomes more unendurable; it becomes hotter and hotter outside as you get cooler and cooler inside... I think it far better to go with the natural climate than try to fix a special artificial climate of your own. Climate means something in relation to one´s life in it. Nature makes the body flexible and so the life of the individual invariably becomes adapted to environment and circunstance... I doubt that you can ignore climate completely, by reversal make a climate of tour own and get away with it wirhout harm to youself" (F. L.Wright, The Natural House, citado por Raymond Arsenault em The End of the Long Hot Summer: The Air Conditioner and Southern Culture)
(3) Richard Neutra (1959), Meus pensamentos, preocupações e esperanças. Revista Arquitectura, nº 64. Iniciativas Culturais Arte e Técnica, Lisboa.
(4) Francis Bacon, Novum Organum, 1620.