Hubris
Em termos filosóficos muito gerais se poderá dizer que a vida se joga entre a afirmação e a integração, num encadeado de processos de regulação de delicado equilíbrio.
Vê-se no comportamento dos animais de companhia como os gatos que, por vezes manifestam pulsões afirmativas, agressivas e galopantes associadas à sobrevivência que a certo ponto conseguem refrear com mais ou menos arranhões.
Pulsões afirmativas que Laborit situa no paleocáfalo.
Pode-se admitir que as coisas se complicam com a consciencialização, a emergência da consciência de consciência ou a individualização da consciência.
Em nós humanos, estas pulsões instintivas, desmultiplicadas pelo desenvolvimento da inteligência, da capacidade tecnológica. podem perverter os sentimentos numa desmedida ânsia de dominação, do poder de regular tudo e todos: eis a hubris, a questão humana da vontade, da vontade de poder, da luta pelo poder, qualquer se seja o domínio em que ela se exerça (político, económico, profissional e "tuti quanti") sobre a natureza, sobre a nossa própria natureza humana.
O poder é sempre o poder de regular que sendo desmedido, tendencialmente excessivo ou abusivo, é hubristico.
Eça de Queirós personificou em Carlos Fradique o ideal faraónico de tudo vergar sob a sua força.
Impulso ancestral que Lynn White encontra plasmado no numero 26, Cap I, da Génesis Bíblica.
Impulso que persiste e se projecta no futuro em fantásticas casas, torres, cidades, civilizações futuristas, na globalização em curso.
Oh, "admiravel mundo novo"!
Os mais fortes reinarão sobre a espécie humana e farão a sua espécie reinar sobre o resto da natureza! Nao é o que consagra o "darwinismo social"?
Eis a arrogância hubrística, estimulada pelo fulgurante progresso tecnológico, de par com galopante crescimento demográfico... Mas também acossada por perturbações que nos afectam profundamente a todos e atingem hoje uma dimensão ecológica que poderá vir a estar para além da nossa capacidade de intervenção.
Associando impulsos, porventura ancestrais, a automatismos sociais atávicos, assola hoje todo o mundo uma regulação em tendência em que a tecnologia e a hubris mutuamente se reforçam: a globalização capitalista do maior ganho pela inovação.
Mas enquanto que nos grandes países da Ásia, como a China, ela se agrava com a sobrepopulação, resultante da regulação demográfica em tendência, a Ocidente ela conjuga-se com o envelhecimento da população resultante de uma regulação demográfica em constância, ou mesmo em tendência, mas de sinal negativo.
Fome, epidemias, conflitos sociais,esgotamento de recursos e poluição colocam-nos à beira do colapso civilizacional que desta vez poderá ser global.
Se não formos capazes de regular os nossos numeros a natureza o fará, concluem David e Marcia Pimentel em "Food Energy and Society", referindo-se à demografia galopante.
Estarão em causa só esses numeros ou a desmesura em todo o nosso comportamento, perfilando-se a Nemésis no horizonte próximo?