Reflexões Planetárias

Saturday, April 30, 2011

Hubris

Em termos filosóficos muito gerais se poderá dizer que a vida se joga entre a afirmação e a integração, num encadeado de processos de regulação de delicado equilíbrio.
Vê-se no comportamento dos animais de companhia como os gatos que, por vezes manifestam pulsões afirmativas, agressivas e galopantes associadas à sobrevivência que a certo ponto conseguem refrear com mais ou menos arranhões.
Pulsões afirmativas que Laborit situa no paleocáfalo.
Pode-se admitir que as coisas se complicam com a consciencialização, a emergência da consciência de consciência ou a individualização da consciência.
Em nós humanos, estas pulsões instintivas, desmultiplicadas pelo desenvolvimento da inteligência, da capacidade tecnológica. podem perverter os sentimentos numa desmedida ânsia de dominação, do poder de regular tudo e todos: eis a hubris, a questão humana da vontade, da vontade de poder, da luta pelo poder, qualquer se seja o domínio em que ela se exerça (político, económico, profissional e "tuti quanti") sobre a natureza, sobre a nossa própria natureza humana.
O poder é sempre o poder de regular que sendo desmedido, tendencialmente excessivo ou abusivo, é hubristico.
Eça de Queirós personificou em Carlos Fradique o ideal faraónico de tudo vergar sob a sua força.
Impulso ancestral que Lynn White encontra plasmado no numero 26, Cap I, da Génesis Bíblica.
Impulso que persiste e se projecta no futuro em fantásticas casas, torres, cidades, civilizações futuristas, na globalização em curso.
Oh, "admiravel mundo novo"!
Os mais fortes reinarão sobre a espécie humana e farão a sua espécie reinar sobre o resto da natureza! Nao é o que consagra o "darwinismo social"?
Eis a arrogância hubrística, estimulada pelo fulgurante progresso tecnológico, de par com galopante crescimento demográfico... Mas também acossada por perturbações que nos afectam profundamente a todos e atingem hoje uma dimensão ecológica que poderá vir a estar para além da nossa capacidade de intervenção.

Associando impulsos, porventura ancestrais, a automatismos sociais atávicos, assola hoje todo o mundo uma regulação em tendência em que a tecnologia e a hubris mutuamente se reforçam: a globalização capitalista do maior ganho pela inovação.
Mas enquanto que nos grandes países da Ásia, como a China, ela se agrava com a sobrepopulação, resultante da regulação demográfica em tendência, a Ocidente ela conjuga-se com o envelhecimento da população resultante de uma regulação demográfica em constância, ou mesmo em tendência, mas de sinal negativo.
Fome, epidemias, conflitos sociais,esgotamento de recursos e poluição colocam-nos à beira do colapso civilizacional que desta vez poderá ser global.
Se não formos capazes de regular os nossos numeros a natureza o fará, concluem David e Marcia Pimentel em "Food Energy and Society", referindo-se à demografia galopante.
Estarão em causa só esses numeros ou a desmesura em todo o nosso comportamento, perfilando-se a Nemésis no horizonte próximo?

Wednesday, April 27, 2011

A Ameaça Nuclear

O acidente de Fukushima Daiishi volta a trazer para a primeira linha das nossas preocupações o risco de acidente nuclear.
E bem se podem preocupar os britânicos, franceses, alemães e vizinhos. Sobretudo os franceses que enveredaram pelo "tudo eléctrico" assente nas centrais térmicas de fissão nuclear.
Portugal não tanto, segundo o mapa de risco recentemente publicado na revista Nature. Mas será bem assim? Espanha tem oito reatores em seis centrais nucleares. Não estão todas assinaladas no mapa. Nota-se a falta da que mais nos ameaça: a central nuclear de Almaraz (Cárceres), arrefecida pelas águas do Tejo, a pouco mais de 100 km da fronteira e a cerca de 300 km de Lisboa, tal como Fukushima está de Tokyo.


O risco de acidente nuclear deve-se a causas naturais e humanas praticamente impossíveis de prevenir, mas também a falhas e negligências humanas impossíveis de evitar. O risco aumenta com o número de reatores nucleares, hoje cerca de quatrocentos e cinquenta em todo o mundo, mas que deverá ser da ordem dos mil e oitocentos para que substituam a electricidade proveniente de combustíveis fósseis, segundo o histórico engenheiro catalão anti-nuclear Pep Puig.
As consequências de um acidente são quase apocalípticas num raio de dezenas de quilómetros. Até agora tem sido evitado o pior, graças aos travões tradicionais persistentes na sociedade japonesa e à competência dos seus técnicos nucleares que têm retardado a fusão dos corações dos reatores (1)!
A opção nuclear é para nós um acidente anunciado inaceitável!

Actualização em 26 de fevereiro de 2016: Notícia sobre a ameaça da Central nuclear de Almaraz aqui
___________________________________________________
(1) O mesmo não se pode dizer da empresa Tepco que explora esta central de Fukushima que, com a conivência do governo ignorou, por razões comerciais, os riscos conhecidos de tremor de terra e maremoto que impendem sobre o local. Conforme disse Eisaku Sato, ex-governador da perfeitura de Fukushima : "Quem criticar o poder nuclear é tratado como inimigo dos estado". Seguindo os ditames da indústria nuclear que forma com o governo o que se designa por "atomic village", "o Japão aceitou normas de segurança claramente insuficientes e as suas autoridades nucleares nem sequer fazem respeitar essas inadequadas normas".
A "atomic village" tem contrariado o aproveitamento de energias naturais existentes no Japão como a eólica, a geotérmica e a hídrica. Tendo sido, a indústria japonesa, pioneira na energia solar, restavam em 2005 apenas 10% dos colectores solares domésticos existentes em 1980.
A conservação de energia tem sido menosprezada: os edifícios de habitação e de serviços, incluindo os da administração pública desperdiçam muita energia. A maioria das casas japonesas, são construções leves feitas de partes prefabricadas, mal vedadas e isoladas, muito embora o Japão exporte janelas muito eficientes. O conforto no inverno e no verão depende muito de equipamentos em que tem sido encorajado o uso da electricidade. Tal como fez a EDF em França nos anos 60-70 ao serviço da energia nuclear. A Tepco encorajou a passagem do gás para a electricidade para aumentar o seu volume de negócios. Compreende-se assim que o Japão consuma mais 15% de electricidade per capita do que um país igualmente industrializado como a Alemanha... e que a "global village" tenha nisso assinalaveis responsabilidades.

A Senhora "Dívida Pública"

A "Dívida Pública" - agora na ribalta do nosso teatro mediático - está afinal conosco há muito tempo como se pode constatar pelo registo da pulsação desta senhora ao longo dos últimos 160 anos (1).
Com Salazar a senhora Dívida mingúa mas o país continua pobre.
Depois do 25 Abril o país "enrica" e a senhora Dívida trepa. No tempo das vacas gordas, Cavaco apenas deixou a dívida a bater teimosamente nos 60% do PIB. Curiosamente, com Guterres ela ameaça descer para depois trepar sem remissão até aos nossos dias adubada finalmente pelos gulosos "mercados".
São os comentários singelos de um leigo em economia.


Pedi a alguns economistas meus amigos o favor de comentarem este gráfico.
Recebi este comentário de Filipe do Carmo que agradeço:
"A subida da dívida parece estar intimamente ligada ao regime democrático (não propriamente à democracia mas ao que ela trouxe implícita: a necessidade de satisfazer as clientelas). A partir de 2001 a influência das facilidades de crédito ligadas ao euro parece inegável. O período que precede não me parece que tenha significado um período de travagem. Talvez esteja ligado ao aparecimento das habilidades contabilísticas (parcerias público-privadas, etc) e ao começo das vendas de activos (privatizações)". Aqui temos uma explicação para a ameaça de descida no tempo de Guterres.
Recebi de Julia Mariquito a indicação e o endereço do blog de Álvaro Santos Pereira. Lá está o gráfico da dívida pública e a explicação da subida vertiginosa nos últimos dez anos que contem as criticas que tem vindo a ser veiculadas pelos "média", ao comportamento do governo nas contas públicas e que se pode traduzir numa palavra: desgoverno (2).
O cidadão comum como eu que paga os seus impostos e controla as suas dívidas, fica surpreendido ao lhe ser dado a conhecer que a dívida se estende ás famílias e ás empresas e que, por junto ultrapassa largamente o nosso Produto Interno Bruto!
Há limites! Vivemos num clima de irreponsabilidade generalizada, sem nenhum projecto colectivo mobilizador, navegando à vista dos subsídios e à mercê dos estímulos dos banqueiros e economistas que nos tratam como Pavlov tratava os seus câesinhos: Tomem lá juros baixos e toca a comprar casinhas; tomem lá cartões de crédito e toca a consumir...(3).
Mas, para além disso, ou antes disso e quanto ao andamento da dívida pública depois dos anos de vacas gordas de Cavaco, poder-se-à ignorar os efeitos da aplicação do artigo 104º do Tratado de Maastricht que proíbe os Bancos Centrais de financiar os Estados, expondo-os à especulação bancária?

(1) Agradeço a Augusto Mota o envio deste interessante gráfico vindo do Prof. Aguiar-Conraria e de que agora conheço as fontes pelo livro de Santos Pereira, "Portugal na Hora da Verdade". O gráfico que suponho ser de Santos Pereira, combina três fontes: 1859-1900: Neves(1994); 1900-1993: Mata e Valério (1994), 1974-2010: AMECO, Comissão Europeia.
(2) Santos Pereira apresenta um pacote de medidas para responder a esta grave situação financeira que se afigura poderem vir a ser adoptadas pela troika.
Entre elas, obviamente a redução das despesas do Estado... salvo nos sectores da Saúde e da Educação! :-)
Mas lá estão os trabalhadores a pagar as favas, com flexibilizações, mais impostos e reduções de salários... que não os bancos que continuam a usufruir dos seus baixos rácios de reservas e a viver no seu "paraíso fiscal"! :-(
Nas medidas económicas, enfatiza o crescimento das exportações e a competitividade, com medidas genéricas para mim pouco convincentes, mas não a cooperação e a produção para o consumo interno e a substituição de importações, aproveitando as potencialidades e respeitando a capacidade de carga do nosso território: a economia continua a ser concebida como um "sistema fechado", apegada a conceitos hoje inaceitavelmente incongruentes como o PIB, incapaz de dar sinais ás actividades humanas e ao ordenamento do território, no sentido de um desenvolvimento sustentável.
(3) Em 2008, quando estalou a crise dos subprime, Tom Friedman, o colunista do NYT e autor do "Mundo é Plano" (!) traçava um retrato dos Estados Unidos como um país improdutivo sentado em cima dos cartões de crédito que nos assenta como uma luva. Transcrevo o que ele diz a certo ponto do artigo, citando Van Jones:
"It's time to stop borrowing and start building. America's No. 1 resource is not oil or mortgages. Our No. 1 resource is our people. Let's put people back to work - retrofitting and repowering America... You can't base a national economy on credit cards. But you can base it on solar panels, wind turbines, smart biofuels and a massive program to weatherize every building and home in America. Innovation in areas such as renewable energy, green building, and sustainable agriculture can invigorate the global economy by helping businesses stay at the cutting edge, which is essential for retaining existing jobs and creating new ones."
Um modelo de capitalismo sem travões que não podiamos seguir porque não temos a capacidade de fabricar e impor dolares (ou euros) a todo o mundo... Nem os Estados Unidos talvez num futuro próximo. Um modelo insustentável que tem que ser abandonado rumo a uma economia sustentável, como defende Van Jones citado por Friedman.

Tuesday, April 26, 2011

Noticias deste reino de Midas 37 anos depois do 25 de Abril

Respigo do Correio da Manhã de ontem duas notícias, entre tantas outras que vogam na deriva neo-liberal:
Primeira noticia: "No período que termina no dia 30 de Abril deste ano, o FMI estima obter um resultado operacional líquido de 328 milhões de direitos especiais de saque (equivalente a 524.8 milhões de dólares)."
Isto, "graças aos empréstimos concedidos aos países que atravessam graves dificuldades financeiras", nomeadamente a Grécia, a Irlanda e Portugal.
Comentário do jornal: "A crise de uns é o ganho de outros."
E um comentário de café a propósito: "Mas é O que empresta com menos juros!".
Pois. O que é este "O"?
O FMI, tal como o BCE e a Reserva Federal Norteamericana, não é um servico público nem uma instituição de solidariedade social. Defende os interesses dos seus constituintes, do grande negócio. E não nos iludamos com os "baixos juros", pois que com eles vêm condições de politica economica que abrem caminho a leoninas oportunidades de negócio, como a privatização de serviços públicos de cariz monopolistico ou estrutural. Assim tem acontecido com o FMI. Mudou agora com Strauss-Kahn?
Segunda notícia: Os serviços do fisco estão a mudar taxas do IVA. O INFARMED pretende que a água oxigenada passe da taxa reduzida de 6% para 23%, com o pretexto de que não a considera medicamento, tendo-lhe a retirado essa classificacao em 17 de Março passado. Desde 1987 que ela constava do Formulário Nacional de Medicamentos.
Mas, por exemplo, o Betadine consta, pois mantém o IVA de 6%... Como os campos de golfe poderão vir a ter, a bem do desporto!
A água oxigenada é uma solução de peróxido de hidrogénio desenvolvida no primeiro quartel do século passado para conter a infecção e a gangrena nas frentes de batalha. Durante a segunda guerra mundial, a redução no número de baixas e amputações foi grande, graças ao uso da água oxigenada (1).
A água oxigenada é um poderoso desinfectante com multiplas aplicações, fácil de utilizar e sem efeitos colaterais. É muito barato e pode-se comprar fora das farmácias.
Numa economia de mercado verdadeira os outros desinfectantes comerciais não concorreriam com ela.
O INFARMED está a falsear os mecanismos da livre concorrência que é invocada quando serve, mas esquecida quando não serve, neste caso, os poderosos interesses da Indústria Farmceutica.

(1)Fonte: http://pt.shvoong.com/exact-sciences/biochemistry/1828894-%C3%A1gua-oxigenada/#ixzz1KfTQm9Kn

O capitalismo e o crescimento economico

Fritjof Capra, seguindo Manuel Castells, considera que as três "fontes"' da produtividade e da competitividade, na fase actual do capitalismo, são a inovação, a geração e o processamento da informação e a sua estruturação em redes de fluxos financeiros.
Ora a lógica do maior ganho financeiro pela inovação está no código genético do capitalismo, tal como o define François Perroux.
Foi apenas o inovador progresso das novas tecnologias que extremou a financeirização reticular da economia à escala global, componente nevrálgica da globalização capitalista em curso.
Ora, a "financeirização da economia" desvia capital financeiro da economia para a especulação financeira, incluindo a imobiliária, em prejuízo do "crescimento sustentado" da economia. Os bancos deixaram de estar ao serviço da economia.
Portanto, a "financeirização da economia" contraria o que os fieis seguidores do capitalismo têm por princípio sacrossanto : a produtividade e, com ela, o crescimento económico.
Só há crescimento económico, e de que maneira, em países como a China, nos quais o capitalismo beneficia dos travões tradicionais persistentes que lhe são estranhos, mas também do conluio com um "forte" poder político consentâneo com a sua fria racionalidade tecnocrática.
O que com ele está a crescer em todo o mundo é a conflitualidade social e a crise ecológica.
Neste "crepúsculo dos deuses" com pés de barro que hoje vivemos, será descabido transpor para o capitalismo o que Nassim Taleb diz do que designo por "economicismo", depois de ter conhecido por dentro o mau uso da matemática pelos senhores de Wall Street e de ter antecipado os seus catastróficos resultados : "Economics is like a dead star that still seems to produce light, but you know it is dead"?

Tuesday, April 12, 2011

O imbróglio do crescimento económico

O crescimento económico é hoje uma vaca sagrada. Ai de quem o questione!
É preciso para alimentar uma população crescente. O que é uma verdade globalmente incontestável.
É preciso para melhorar o nosso nível de vida. O que é uma verdade, a partir de certo ponto, discutível.
Há uma terceira razão avançada por William Ophuls: facilita a governação democrática numa sociedade desigual pautada por valores materiais. Porque todos ganham com o crescimento: “A rising tide lifts all boats"! Os ricos ficarão cada vez mais ricos, mas os pobres menos pobres, alimentando-lhes até a ilusão de que um dia poderão vir a ser ricos, o que propicia o conformismo e a paz social.
Numa economia estabilizada, a riqueza de uns será a pobreza dos outros, numa cada vez mais gritante desigualdade social que se tornará explosiva.
A primeira razão não se aplica ao ocidente rico do hemisfério norte. A segunda aplica-se com algumas reservas a países "novos-ricos" como Portugal que chegaram tarde à festa do "progresso".
A terceira é, a meu ver, a grande razão que leva os ricos a centrarem as suas preocupações no crescimento económico e no emprego. Decerto, porque é indispensável para sustentar o lucro financeiro. Mas, não menos importante, porque diminui o risco da conflitualidade social. Não por amor aos pobrezinhos, sentimento sem sentido no contexto do "darwinismo social" que impera na sociedade neo-liberal em que vivemos.
É por essa razão que a actual recessão assusta os ricos e que eles nem querem ouvir falar nos limites naturais ao crescimento.
A recessão está a tornar-se socialmente insustentável mas, por outro lado, o paradigma do crescimento económico (1) atenta contra a limitada capacidade de carga do nosso planeta, pondo em causa a sustentabilidade dos ecossistemas que nos sustentam e, portanto, a nossa própria sustentabilidade. Os ecossistemas não existem para sustentar a humanidade. Nós é que existimos porque eles o permitem, coisa que muitos ecologistas reconhecem com humildade, mas que os economistas adeptos do "crescimento económico" teimam arrogantemente em não reconhecer. As tentativas fracassadas para fabricar ecossistemas mostram quão ignorantes somos sobre a sua complexidade. A ignorância alimenta a arrogância.
Eis o imbroglio do crescimento económico em que estamos todos embarcados, com a oligarquia possidente dos ricos amedrontados ao leme.
_________________________________________________
(1) Competentes economistas que fazem a opinião pública perfilham este paradigma. É o caso "paradigmático" de Victor Bento, quando afirma com convicção, no seu recente livro "Economia Moral e Política" que o crescimento económico "é, em última instância e a longo prazo, fundamental para a satisfação de praticamente todos os outros objectivos, desde as aspirações de melhoria do nível de vida, ao emprego, áqueles que se relacionam com uma vertente a que costuma ser associado o adjectivo "social" e até à projecção de poder pela sociedade política no contexto internacional".