Reflexões Planetárias

Tuesday, April 24, 2012

O Espanhistão

Falando de arquitectura dizia eu neste blog há cerca de um ano que uma arquitectura bem feita é "incompatível com uma economia que tudo subordina à contabilidade abstrata de interesses particulares de ganho e poder, o que não tem nada a ver com fazer bem as contas. Concretizando, é incompatível com a especulação imobiliária que combina negócios de terrenos com operações bancárias, a qual atingiu o paroxismo na crise dos "subprime" e agravou os problemas sociais e ambientais"...
A história da variante espanhola deste pestilento mecanismo especulativo vem contada com uma certa graça aqui e neste video:



Tudo isto nos soa muito familiar!
Ah! Mas em Espanha a escala é outra... Uma senhora bolha !

A terra é hoje, como tudo o mais, uma mercadoria, na lógica do capitalismo que se globalizou e extremou com a "financeirização" da economia. Os seus "efeitos colaterais" na sociedade e no ambiente, afiguram-se cada vez mais preocupantes.
Este comportamento mercantil contrasta com o comportamento de sociedades ditas primitivas que chegaram até aos nossos dias.
Levy-Strauss - em A Antropologia Face aos Problemas do Mundo Moderno - dá o exemplo de "comunidades indígenas da América do Norte e da Austrália que recusaram durante muito tempo - e continuam a recusar, em certos casos - ceder terrritórios mediante indeminizações por vezes enormes" no religioso respeito pela Terra-Mãe.
O tal "instrumento espiritual" de Hyams que lhes permitiu sobreviver, salvaguardando um delicado equilíbrio com a natureza.

Wednesday, April 18, 2012

Vulnerabilidade e coesão da Europa

Tem prevalecido na União Europeia uma perspectiva sectorial especializada, predominantemente economicista, hoje monopolizada pela crise financeira na óptica dos "mercados".
Esta perspectiva redutora afigura-se em parte responsável não só pela própria crise financeira, mas também pela erosão social e pelo agravamento da crise ambiental que aliás mutuamente se reforçam.
Têm sido marginalizados quer o ordenamento do território quer o pensamento sistémico e, com eles, a capacidade de ligar o que está desligado e corrigir as inconsistências sociais e ecológicas da abordagem sectorial.
A "European Spatial Planning Observation Network" (ESPON) tem vindo a realizar um trabalho nesse sentido que não tem tido a merecida divulgação. O "draft" Climate Change and Territorial Effects on Regions and Local Economies, publicado no ano passado mostra a estreita interdependência entre a (falta de) coesão social e a vulnerabilidade ambiental (1) face aos possíveis efeitos regionais das alterações climáticas na Europa.
Depois de mapear os impactes potenciais das alterações climáticas, o estudo da ESPON chega a um "mapa de vulnerabilidades potenciais" detalhado ao nível das NUTS III, adoptando um cenário moderado , selecionado entre os seis "cenários de emissões" desenvolvidos pelo IPCC: o cenário A1B.


Neste mapa de vulnerabilidades, as cores mais carregadas assinalam as regiões mais vulneráveis, havendo a considerar evidentemente as incertezas e possíveis imperfeições do modelo e do método adoptados.
É visivelmente evidente que as regiões do sul da Europa, em que Portugal se inclui, estão mais vulneráveis do que as do norte. Essa vulnerabilidade combina no geral uma maior exposição, uma maior sensibilidade e uma menor capacidade de adaptação.
Há aqui uma desigual distribuição de causas e efeitos, estando os países do norte mais do lado das causas e nós, do sul, mais do lado dos efeitos.
O estudo conclui pela necessidade de uma Europa solidária com vista a uma ajustada utilização dos meios para a mitigação e adaptação em relação ás alterações climáticas (2).
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(1) Considere-se a vulnerabilidade potencial de uma região face ás alterações climáticas, função dos impactes potenciais e da sua capacidade de adaptação. O impactes resultam do efeito combinado da exposição e da sensibildade de uma região aos efeitos das alterações climáticas. Por exemplo, regiões costeiras a escassos metros da "linha da máxima preia-mar de águas vivas" estão mais expostas à subida das águas do mar do que as de maior altitude. Regiões urbanizadas muito mecanizadas são mais sensíveis do que regiões menos dependentes de sistemas energéticos. Regiões mais jovens e desenvolvidas podem ter maior capacidade de adaptação do que regiões mais pobres ou envelhecidas.
(2) O estudo centra-se nas alterações climáticas. Mas há outras ameaças que nos vêm do interior da terra e do exterior, como sejam a queda de meteoritos, raios cósmicos e outras radiações provenientes da actividade solar, com impactes potenciais nas regiões europeias muito urbanizadas e mecanizadas, remetendo para uma capacidade de adaptação que põe à prova a capacidade tecnológica e, sobretudo, a solidariedade europeia!

Tuesday, April 17, 2012

Ai! Os bancos... alemães!

O Commerzbank é conhecido entre os arquitectos pela sua sede de Frankfurt: uma "torre de serviços" projectada por Norman Foster, sob o signo da sustentabilidade ambiental.


Se ela é de facto "sustentável" ou, mesmo se uma "torre" pode ser "sustentável" será, pelo menos discutível.
Mas o que é menos discutível é que o próprio Commerzbank seja sustentável, economicamente sutentável, atendendo ás notícias que nos chegam. Este que é o segundo maior banco alemão, é actualmente detido em 25% pelo Estado que nele injectou qualquer coisa como 18 mil milhões de euros!
Isto interessa-nos, já não como arquitectos mas como gente comum, dado que esta musica já nos é bem conhecida e que, por acaso o Commerzbank é um dos que nos quiz ajudar a agravar a dívida.
Mas não é só este Banco que toca as raias da insustentabilidade economica, mas grande parte da banca alemã que parece ser o elo mais fraco da economia germânica!
O Hypo Real Estate (HRE) é outro bom (ou mau!) exemplo. "Especializado no financiamento de projectos imobiliários e das colectividades locais anunciou na quinta-feira passada um lucro de 257 milhões de euros em 2011, contra um prejuízo de 899 milhões em 2010." Mas não nos deixemos enganar! "O grupo limita-se a lançar obrigações securizadas (Pfandbriefe). Os seus "activos tóxicos" que pesavam no seu balanço financeiro cerca de 173 mil milhões de euros, foram transferidos para um "bad-bank" batizado "FMS Wertmanagement", cujas perdas são inteiramente financiadas pelo estado alemão. Sejamos claros, os contribuintes pagam os rombos do grupo que foi nacionalizado depois da injecção de 173 milhões de euros em ajudas públicas diversas e variadas."
A tal música que infelizmente já nós conhecemos!
Mais um caso "edificante" é o do desmantelamento do Banco Regional WestLB deverá ser lançado ainda antes de Junho. "Quando esta operação terminar, o que já foi o maior Landsbanken do país e que já tranferiu 77 mil milhões de euros "de risco" para um "bad-bank", limitar-se-à a fornecer serviços financeiros ás caixas de aforro que controlam o seu capital em conjunto com o governo da região da Renânia-do-Norte-Westphalie."
Tirando a parte final é a tal música com notas de banco que nós infelizmente já conhecemos.
Depois de citar o caso do Deutsche Bank e de outros bancos alemães que exploram "confortaveis beneficios" que lhes concede a União Europeia (entre eles os empréstimos do BCE, negados aos estados europeus), Frédéric Therin interroga:
"Alors comment une économie aussi puissante a-t-elle pu produire un système bancaire aussi fragile?"
Vale a pena ler a sua resposta no artigo publicado no "Le Temps"!
Até apetece dizer que os bancos alemães, antes de serem alemães, são... bancos!

Actualização em 10 de Fevereiro de 2016: Sobre o Deutsche Bank
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As citações são retiradas do artigo de Frédéric Therin: "La banque, maillon faible de l’Allemagne" publicado em 14 de Março passado no jornal Le Temps.

Tuesday, April 10, 2012

O abuso da matemática

Dizia eu em 26 de Abril de 2011: "Neste "crepúsculo dos deuses com pés de barro que hoje vivemos, poder-se-à transpor para o capitalismo o que Nassim Taleb diz do que designo por "economicismo", depois de ter conhecido por dentro o mau uso da matemática pelos senhores de Wall Street" (...)
Num recente artigo publicado no Observer do Guardian, Ian Stewart explica muito bem a história da fórmula de Black-Scholes. Diga-se de passagem, que esta fórmula valeu aos seus autores o "Nobel Memorial Prize in Economics", ao sabor dos ventos da história da desregulação financeira dos últimos trinta - quarenta anos.


A fórmula de Black-Scholes favoreceu a difusão dos derivados, produtos finenceiros responsáveis pelo crash da banca. Mas, como ele faz notar, o problema não reside no modelo matemático, mas no seu abuso pelo mundo da finança.
Em consequência deste abuso, "a banca perdeu em todo o mundo centenas de milhões quando rebentou a bolha dos subprime. Passado o pânico, a factura foi remetida para pagamento aos contribuintes".
" ... esta formula é não mais do que um ingrediente de uma receita à base de irresponsabilidade financeira, incompetência política, incentivos preversos e regulamentação demasiado laxista".
Não é caso para a nossa confiança em toda essa gente dos bancos - mandarins e corifeus - estar profundamente abalada?
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A imagem reproduz a fórmula de Black-Scholes. Esta fórmula é uma equação de derivadas parciais, em que "V" é o preço do derivado em função do tempo e do preço do bem, t é o tempo, "S" é o preço do bem, "r" é o juro anual para o "risco 0" e "σ" a (tão badalada) volatilidade dos mercados (afinal um desvio padrão).

Mapear o conhecimento!

O Prof. João Ferrão fechou a sua última conferência na Culturgest com uma deslumbrante imagem do firmamento...
Do firmamento científico!
Imagem tão deslumbrante quão necessária para quem recusa enclausurar-se numa especialidade, empurrado pelo progresso do conhecimento, pois reconhece a fecunda interação com outros ramos do saber e cultiva a sua participação na aventura colectiva do conhecimento.
Os mapas de ciência que têm vindo a ser criados, apoiam-se na recolha e tratamento de citações em publicações científicas, visualizando as relações interdisciplinares e entre publicações académicas.
Não é o caso do mapa do conhecimento reproduzido por Joao Ferrão. Os seus autores - Johan Bollen e outros investigadores dos Los Alamos National Laboratory e do Santa Fé Institute - aproveitam o enorme manancial de conexões que oferece o registo detalhado das consultas clicadas na net: o que eles designam por " clickstream".


Os autores apontam ao seu método três grandes vantagens em relação ao método baseado em citações: as interações acedidas na net ultrapassam largamente o volume actual das citações, refletem a actividade de uma comunidade muito mais alargada ás humanidades, ciências sociais e interdiciplinares, bem como refletem em tempo real a dinâmica do conhecimento disponibilizado nas publicações online.
Os autores dão a conhecer o seu "clickstream map" no artigo "Clickstream data yields high-resolution maps of science", disponivel aqui.

Vem a propósito uma observação lateral. A de que esta interação do conhecimento mapeada, está a ser fortemente cerceada pelas editoras que têm vindo a tomar conta da circulação da informação na net, como a Elsevier utilizada no "clickstream map"... o que não deixa de ser irónico!
Artigos científicos são feitos e revistos graciosamente pelos investigadores mas depois vendidos um a um na net.
Há investigadores que podem aceder a eles através de instituições académicas que os podem pagar... com crescente dificuldade. Este abuso do mercado está a ser sentido na comunidade científica, conforme se pode constatar em recentes abaixo-assinados, e artigos publicados em páginas pessoais, jornais e neste blog.

Tuesday, April 03, 2012

The World Happiness Report

Foi agora publicado o World Happiness Report, encomendado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, para a "Conference on Happiness" que se realizou ontem, dia 2 de Abril.
The World Happiness Report é mais um contributo para a formação de indicadores que ponderem satisfatoriamente o bem-estar social, tendo em conta que o PIB não o faz e que a fixação no PIB induz um crescimento económico insensato, insustentável ou mesmo impossível, como anteriormente defendi neste blog.



A revisão do PIB não pode deixar de estar no topo da agenda das organizações da sociedade civil que em Portugal pugnam por maior justiça social e sensibilidade ambiental. Desde logo porque nesta sociedade "à razão de juros" o que não é contabilizado não conta.