Na semana passada realizou-se uma conferência pública subordinada ao tema "O Tratado de Comércio e Investimento UE-EUA: Perspetiva Luso-Americana".
organizada por Vital Moreira, deputado europeu pelo PS, presidente da Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu e relator para este tratado.
A conferência que ocorreu nas vésperas da segunda ronda das negociações,
"permitiu debater o impacto e as oportunidades que o Tratado de Comércio e Investimento entre a União Europeia e os EUA pode trazer à economia portuguesa, e sinalizar interesses “defensivos” e “ofensivos”, tanto da UE em geral como de Portugal em especial."
O acordo que começou oficialmente a ser negociado em Junho, em Washington, é "o mais complexo e o mais ambicioso de sempre" porque está lá tudo incluído: "bens, serviços, investimentos, harmonização regulatória, compras públicas", mas isso não quer dizer que demore mais tempo do que os outros acordos que a União Europeia já negociou ou está ainda a negociar." Muito confiante, Vital Moreira admite que "podemos estar a menos de dois anos desse grande evento, um `game-changer`, um acordo que muda as coisas".
Este acordo transatlântico abrirá portas para o "enorme mercado americano" considera Vital Moreira, sublinhando que ele irá ajudar os países mediterrâneos e, em particular as empresas portuguesas a entrar "no enorme mercado americano".
Mas nem tudo serão rosas! Vital Moreira apontou para alguns espinhos,
na entrevista noticiada no Agroportal. Salientou dois, a título de exemplo.
Haverá mais e, entre estes, um que merece especial atenção pois poderá ser o mais importante de todos se o mecanismo conhecido por "investor-state dispute setlement" (I-SDS) vier a ser incluido no acordo. Se isso vier a acontecer, alerta George Monbiot,
este acordo será um "frontal assalto à democracia" pois que garantirá ás
ETN a capacidade de processar os governos que pretendam defender os seus cidadãos. A inclusão de um I-SDS permitirá que um "painel" à porta fechada de
corporate lawyers ultrapasse a vontade do parlamento e destrua protecções legais existentes. Não obstante, lamenta Monbiot, "os defensores da soberania não dizem nada".
O I-SDS já é hoje utilizado em muitas partes do mundo para liquidar regulamentos que protegem as pessoas e o planeta. Monbiot apresenta muito exemplos em que este mecanismo permitiu ás ETN travar regulamentos e arrecadar centenas e centenas de milhares de dólares em processos instaurados aos governos do Canadá, Austrália, Argentina e El Salvador.
Grandes empresas que, em termos financeiros, se medem com estados como o português, estão a usar regras do I-SDS incluídas nos tratados comerciais, para processar os estados que os assinaram. As regras são aplicadas por "paineis" de juristas que não têm as salvaguardas dos nossos tribunais. As audiências são feitas à porta fechada. Os juízes vêm de grandes escritórios de advogados ligados ao mundo dessas empresas. Cidadãos e comunidades afectados pelas suas decisões não têm nenhum estatuto legal. Não há lugar para recursos e as arbitragens podem sobrepor-se à soberania do parlamentos e à regulação dos supremos tribunais.
Incrível! Eis o que diz um dos juizes destes "paineis", citado por Monbiot: "Quando acordo de noite a pensar sobre a arbitragem, espanta-me que estados soberanos tenham alinhado sem reservas nesta arbitragem do investimento... Três indivíduos do foro privado são investidos do poder de rever, sem nenhuma restrição ou possibilidade de recurso, todas as acções do governo, todas as decisões dos tribunais e todas as leis e regulamentos que emanam do parlamento.
"Não há direitos correspondentes para os cidadãos. Não se pode usar estes tribunais para exigir melhores protecções contra a ganância das ETN", Sublinha Monbiot citando o
Democracy Center: "um sistema de justiça privatizado ao serviço das ETN."
"Este é o sistema a que ficaremos sujeitos se o tratado transatlântico for por diante" teme Monbiot. "Os Estados Unidos e a Comissão Europeia, ambos capturados pelas ETN que supostamente deveriam controlar, estão a fazer pressão para que a resolução sobre o "investor-state dispute" seja incluída no acordo... A CE (Comissão Europeia) pretende substituir tribunais soberanos, abertos e responsáveis por um sistema fechado e corrupto eivado de conflitos de interesse e poderes arbitrários."
Confiante na concretização de um acordo histórico, Vital Moreira admite que "podemos estar a menos de dois anos desse grande evento, um `game-changer, um acordo que muda as coisas".
Sim. Poderá ser um grande passo na reconfiguração tecnocrática da sociedade moderna. Não é para aí que aponta o menosprezo dos governos pela vida das pessoas e a sua fixação no comécio externo, bem como a fixação dos sacerdotes econometristas nas abstrações macroeconómicas da economia política?
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Actualização/Outubro 2014: Publicado por Wikileaks um Press Release rompendo o secretismo das negociações em curso
aqui
Actualização/Novembro 2014: Está a correr
aqui uma petição dirigida à Comissão Europeia para reconsiderar a assinatura deste tratado;
Portugal recua no apoio à polémica cláusula de "protecção do investimento" que visa incluir no tratado os "tibunais arbitrais"?