Reflexões Planetárias

Tuesday, October 30, 2007

Os edifícios e as máquinas

Não vai longe o tempo em que os edifícios eram quase só habitações que se contavam como "fogos", pois elas centravam-se no fogo que crepitava no fogão. Fogo que aquecia os alimentos e os corpos nas noites frias de Inverno. E também as almas.

O termo ainda hoje se emprega, embora o fogo avulte apenas nas habitações mais pobres que, felizmente já não fazem a maioria entre nós. Nas outras, ficou o seu carácter congregador, associado a magia do fogo na simbólica lareira.
E hoje proliferam muitas outras espécies de edifícios que não são habitações no tradicional sentido de lar: não se centram no fogo da lareira.
Foi-se o fogão como única fonte de energia no lar mas vieram as máquinas utilizadas em toda a espécie de edifícios que vão beber a outras fontes longínquas.
Necessitamos de mais energia para o funcionamento das "máquinas" que utilizamos na construção dos edificios, bem como na extracção, fabricação e transporte dos materiais que neles aplicamos.
Necessitamos de mais energia para o funcionamento das máquinas que neles utilizamos na nossa vida quotidiana.

Não são os edifícios mas as máquinas que "consomem" energia, pelo que muitos de nós que concebemos e construímos os edifícios, somos levados a pensar que não são da nossa conta os problemas sociais e ambientais criados pelos crescentes consumos de energia, designadamente: a insegurança do abastecimento energético, o esgotamento de combustíveis fósseis e o aquecimento global associado ao seu ciclo de vida útil.
Mas também são, na medida em que remetemos para as máquinas a solução de problemas que poderiam ser melhor resolvidos pelos edificios ou mesmo ser evitados.

"Rabbit fever"

Pat Thomas comenta com muita graça e maiores razões, em "The ecologist" (Dezembro 2006), a febre dos vibradores sexuais, em que a sexualidade é reduzida ao mecanismo do orgasmo provocado por um utensilio mecânico de plástico: o vibrador.

"(sex) is dependent of a complex mixture of things: the psychological state of the people involved, their health, their hability to recognize and acknowledge their own and each other's needs, desires and emotions, their level of intimacy and maturity, as well as the ambiance in the room, its temperature, its sounds, its smells and tastes".

Nestes termos, é criticável a mecanização das relações sexuais tal como doutras: o "fast food" bioquímico, sempre a mesma ementa insípida, todas as refeições, todos os dias; a neutralidade térmica do conforto mecânico "steady state"; a paisagem monótona dominada por uma qualquer monocultura; a perspectiva imóvel da autoestrada que se perde na linha do horizonte.

Tudo exemplos do abuso ou mau uso da máquina que empobrece as nossas relações, tornando-as mais indirectas e fragmentadas, impedindo que cultivemos relações mais próximas, mais profundas uns com os outros, com a natureza, a nossa própria natureza.

Os meios e os fins

Em frente de mim, o grande ecrã de plasma do café, em que se sucedem os videoclips de entertenimento, repletos de efeitos especiais.
Ou, cá estou eu encaixado no meu lugar do airbus da BA que arranca com piloto automático, no meio de um capacete de nevoeiro que cobre Lisboa, a caminho dos dez mil metros, rumo a Londres.
Espectáculo! Como hoje se usa comentar.

Mas o reflexo que me vem à consciência neste momento, é outro:
Não vivemos hoje uma era prodigiosa no domínio dos meios, mas de uma grande pobreza ou superficialidade no dominio dos "fins"?
Ficamo-nos pelos fins intermédios que remexemos até à exaustão.

...E assim saberemos cada vez mais de cada vez menos, indo a caminho de saber tudo de coisa nenhuma, num processo de fragmentação da consciência que não será estranho a uma insustentável desintegração eco-social.

Casualmente, cai-me debaixo dos olhos esta observação de Castoriadis: "A expansão ilimitada de um pseudo-domínio é procurada por si própria, desligada de qualquer finalidade(...)".
Perdemo-nos pelo meio. Ou pelos meios.

Com as vistas curtas de um pragmatismo redutor, menosprezamos a filosofia não vendo nela mais do que a procura do sexo dos anjos, apegados a um racionalismo estreito.
Não somos capazes de ver mais longe e assim vamos navegando a vista, criando novos problemas com a resolução engenhosa mas fragmentada dos problemas anteriores.

Ficamo-nos pelos fins intermédios, sem folego, ou vontade de ir mais fundo.
Até que ponto esta navegação à superficie não deriva de uma descrença relativista alimentada pelo exercício sistemático da crítica?

Não pondo em causa o espírito crítico de uma sociedade aberta, pode questionar-se se será possivel vivermos sem acreditar em nada, ou se será possível acreditar em valores essenciais de ordem ôntica, sem nos encerrarmos numa sociedade fechada, enclausurada em dogmas.
Será esta desorientação própria de uma sociedade em crise? Krisis permanente da abertura democrática segundo Eduardo Lourenço, ou crise decadente de uma sociedade a braços com os custos crescentes da complexidade a que chegou, segundo Tainter?

Sunday, October 28, 2007

A sensibilidade de Proust

"J'avais revu tantôt l'une, tantôt l'autre des chambres que j'avais habitées dans ma vie et je finissais par me les rappeler toutes dans les longues rêveries qui suivaient mon réveil: chambres d'hiver...oú, par un temps glacial, le plaisir qu'on goûte est de se sentir separé du dehors (comme l'hirondelle de mer qui a son nid au fond d'un souterrain dans le chaleur de la terre) et, oú, le feu étant entretenu toute la nuit dans la cheminée, on dort dans un grand manteau d'air chaud et fummeux, traversé de lueurs des tisons qui se rallument, sorte de impalpable alcôve, de chaude caverne creusée au sein de la chambre même, zone ardente et mobile en ses contours thermiques, aérée de souffles que nous refraîchissent la figure et vienent des angles, des parties voisines de la fenêtre ou eloignées du foyer et qui se sont refroidies; chambres d'été où l'on aime être uni à la nuit tiède, où le clair de lune appuyé aux volets entr'ouverts jette jusque au pied du lit son échelle enchantée, où on dort presque en plein air, comme la mésange balancée para la brise à la ponte du rayon". (Marcel Proust, Du cotê de chez Swann - A la recherche du temps perdu")

"Perdidos num espaço anónimo, indistinto, normalizado, indiferente, universal"...
..."vamos perdendo a sensibilidade cultivada por Proust e, com ela, a possibilidade de desfrutar as particularidades dos lugares"...

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Nota: Novas considerações sobre a sensibilidade de Proust aqui

Tuesday, October 23, 2007

Do lugar ao espaço

Comboio - Avião - Foguetão.
A caminho do espaço.

A caminho do espaço nos distanciamos da terra.
Da terra, do lugar em que nascemos.

Passageiros em trânsito na viagem do progresso, o nosso lugar é o da passagem.

O agora-aqui já não é um lugar a que nos liga o tecido de sentimentos e memórias caldeados pelos anos.
Não mais do que um feixe de instruções, efémeras sensações, conhecimentos de ocasião, a excitação das compras, o mêdo de perder o avião.

Perdidos num espaço anónimo, indistinto, normalizado, indiferente, universal, saboreamos "por um tempo as alegrias passivas da desidentificação" (M. Augé, 1992).
Um não-lugar próprio para autómatos.

Assim, vamos perdendo a sensibilidade cultivada por Proust e, com ela, a possibilidade de desfrutar as particularidades dos lugares que, aliás, liquidamos um após outro, na marcha do progresso a caminho do espaço.

Monday, October 22, 2007

"Televisão - um perigo para a democracia"

Karl Popper é peremptório:"A televisão instila a violência na sociedade".

E continua: "...no início ela era relativamente boa.... É verdade que inicialmente a CONCORRÊNCIA era quase nula e que a procura do público ainda nâo se desenvolvera. A produção podia ser pois mais selectiva".

Portanto, havia QUALIDADE porque não havia MERCADO no campo da televisão!

Depois veio o MERCADO: "Devemos oferecer as pessoas o que elas esperam, afirmava o responsável de uma cadeia de televisão, numa discussão com Popper que comenta: "Como se fosse possível saber o que as pessoas pretendem, recorrendo simplesmente aos índices de audiência."

E conclui Popper: "Tudo o que e possível recolher, eventualmente, são indicações sobre as preferências dos telespectadores FACE AOS PROGRAMAS QUE LHES SÃO OFERECIDOS".

Mas na perspectiva MERCANTIL daquele responsável, "apresentar programas cada vez mais medíocres corresponde aos princípios da DEMOCRACIA, porque é o que as pessoas esperam" .

"Nestas circunstâncias", remata Popper, "só nos resta ir para o inferno!".

Por este andar não será preciso ir. Já lá estamos!

Sublinhados meus.

Tuesday, October 09, 2007

"Patologias do espaço moderno"

A cidade moderna é um espaço edificado dominado pelo “mito da máquina”, profundamente escalpelizado por Lewis Mumford (O Mito da Máquina, A Harvest/HBJ Book, 1970). Ele distancia-nos drasticamente das condições ancestrais, a que nos fomos fazendo ao longo dos tempos.
Quem não se consegue adaptar, pode ser afectado na sua saúde física e mental.
É nos "não-lugares" (Marc Augé, 1995) mais artificializados, como as grandes superfícies comerciais, e nos indivíduos mais sensíveis que a inadaptação se faz sentir com maior acuidade, em casos patológicos de ansiedade como o da agorafobia.


Nos países mais avançados como os Estados Unidos e o Reino Unido, a reação mecânica da sociedade a estes casos de inadaptação tem sido a de tratar "medos razoáveis como se o não fossem" (J. E. Hecker e G. L. Thorpe, 1992), recorrendo a medicamentos (ansiolíticos, Xanax, Prosac), purgas psicanalíticas ("abreaction"), métodos behavouristas como o "flooding" e até cirúrgicos como o da lobotomia! (Kathryn Milun, Patologias do Espaço Moderno, Routlege, 2007).

Porque é o indivíduo que está errado e não a sociedade!
Ou então porque há que resolver problemas candentes: Não é possível mudar imediatamente a sociedade e, portanto, a sua arquitectura!
Mas quem ousará mudar a sociedade... Ou mudar de sociedade?

Têm sido largamente exaltados os benefícios do progresso científico-tecnológico dos últimos duzentos anos e as pessoas tem votado a favor na prática. A medicina averba um rol de notáveis sucessos e o aumento da esperança de vida é um índice de progresso incontornável.
Mas, por outro lado, a lista de doenças e conflitos da civilização maquinista vai aumentando, bem como aumentam os seus efeitos prejudiciais no equilíibrio dinâmico da natureza que nos tem sido globalmente favorável.
Num quadro em que os prejuizos aumentam mais do que os benefícios, o balanço quantitativo afigura-se cada vez mais problemático e irredutível a índices económicos simplistas.
Por este andar poderiamos chegar a uma situação insustentável que, como diz Ronald Wright (Breve História do Progresso, D. Quixote, 2004), já não interessaria a ninguém.
Nessa altura, as pessoas votariam com os pés mudando de sociedade.
Segundo Joseph Tainter ( "Colapso das sociedades complexas", Cambridge U. P., 1988), não seria a primeira vez que isso aconteceria na história das civilizações.