Toca a andar!
Em "Portugal na hora da verdade", um verdadeiro programa de "neoliberalização" publicado com flagrante oportunidade, Victor Santos Pereira(*) não podia deixar de falar de casas, a propósito da maior parcela do endividamento das famílias em Portugal que é hoje o endividamento para a compra de casa própria:
"Para um país, uma grande percentagem de proprietários representa certamente benefícios, mas tem também alguns custos. Por exemplo, há vários estudos que apontam que a mobilidade laboral é menor e o desemprego maior em países (ou regiões) que possuem uma percentagem elevada de proprietários de casa própria.
Porquê? Porque, quando se arrenda uma casa, é relativamente fácil dizer ao senhorio que gostariamos de terminar o contrato de aluguer, pois temos que nos mudar para outra cidade ou até país.
Pelo contrário, quando se é proprietário de uma habitação aceitar um emprego noutra cidade ou país pode ser mais difícil, pois temos que vender o imóvel em questão ou arranjar alguém interessado em alugá-lo antes de darmos uma resposta definitiva à oferta de emprego. Assim, quando as pessoas têm casa própria torna-se mais difícil mudar de cidade ou de região em busca de emprego. E quantos mais donos de casas existirem, mais forte e esse efeito. Por isso o mercado de trabalho torna-se menos dinâmico e há menos criação de emprego...
A elevada percentagem de proprietários em Portugal pode ser boa para as familias em questão... mas poderá não ser tão boa para a economia nacional, visto que há menor mobilidade laboral e, assim, menor criação de emprego".
Para os fundamentalistas do "mercado-livre", made in USA" (o "free-market"), as casas são oportunidade de negócio. Bens negociáveis, seja no negócio imobiliário da compra e venda de propriedades, seja no negócio do arrendamento dos prédios de rendimento.
Como as casas e tudo o mais, também o trabalho se compra e vende. Ao mês, à semana, ao dia, à hora.
Para eles, o ideal é juntar "flexibilidade" do mercado das casas à "flexibilidade" de uma mão-de-obra barata e disponível quando e onde seja necessária ao empregador que, por seu turno se localiza, ou deslocaliza, conforme as conveniências do seu negócio.
Portanto "a bem da economia e do emprego!" e quanto ás casas, o melhor é o mercado menos "rígido" do arrendamento!
Uma tese que, estou convicto, vai ser agarrada pelos mandantes neoliberais da "União Europeia" que, sem qualquer projecto político mobilizador, nos tratam como Pavlov tratava os seus caezinhos. Não ficarei nada admirado se amanhã vir a cenoura dos incentivos para comprar casa, convertida no pau dos desincentivos para combater o inconveniente atavismo dos "recursos humanos" que não das máquinas, para se enraizarem nos sítios, atavismos esses que os estudos associam à posse da casa!
Não pretendo defender a propriedade privada que aliás não questiono, mas sim denunciar o simplismo de um mecanicismo linear que nos põe a andar a reboque dos grandes interesses que lideram hoje a economia mercantil, descurando a consequente fragmentação psicologica e social, na impossibilidade de entretecermos estáveis laços de vizinhanca uns com os outros e com os sitios, dolorosamente patente na alienação da legião dos mais fracos que cresce com o envelhecimento da população e o "darwinismo social".
Esses eurocratas do mercado só entram com uma população na força da vida e com a capacidade técnica de resolver o problema dos velhos e doentes... se não forem fundamentalistas, pois que estes os entregam a punição dos perdedores. Foi assim que Malthus entendeu entregar os irlandeses à fome e à morte seguindo a lei natural da sobrevivência... dos mais fortes.
Esta perspectiva dos fundamentalistas do "mercado-livre" sobre as casas pode ser cruel, mas não é abstrusa no contexto do nomadismo estrutural da sociedade capitalista cosmopolita que se contrapõe de forma brutal ao sedentarismo estrutural da sociedade tradicional assente na cultura do agros.
Podemos ter fundadas convicções para defendermos o mundo rural, o fundo de fertilidade, a estrutura ecológica da paisagem, mas será puro angelismo acreditar que poderemos esperar dos mandantes vontade política para ultrapassar o slogan da sustentabilidade adjectiva.
Enquanto prevalecer esmagadoramente a tendência do animal migrante agente-de-mudança, em que cabe a "sacralização" da competitividade na internacionalização da economia, será subalternizada a tendência "vegetativa" para nos enraizarmos nos sítios. Foi esta tendência "vegetativa" que garantiu a conservação ancestral do "fundo de fertilidade" e a diversidade da Europa, de que tanto carecemos hoje, com a acelerada globalizaçâo e o crescimento da população no resto do mundo que acentuam a conflitualidade social e se confrontam com a "capacidade de carga" do planeta.
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(*) Victor Santos Pereira é o nosso actual Ministro da Economia.